Jerald F. Dirks, Ministro da Igreja Unida Metodista, EUA (parte 3 de 4)
Descrição: A vida pregressa e educação de um bolsista Hollis de Harvard e autor do livro “A Cruz e o Crescente”, desiludido pelo Cristianismo devido à informação aprendida em sua Escola de Teologia. Parte 3: Jogos psicológicos e a luta para se submeter.
- Por Jerald F. Dirks
- Publicado em 04 Oct 2010
- Última modificação em 04 Oct 2010
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Entretanto, hesitava. Racionalizei minha hesitação afirmando a mim mesmo que não conhecia realmente todos os detalhes do Islã e que minhas áreas de concordância estavam confinadas aos conceitos gerais. Assim, continuei a ler e reler.
O senso de identidade, o senso de quem se é, é uma afirmação poderosa da posição de alguém no cosmos. Em minha prática profissional, ocasionalmente fui chamado para tratar de certas desordens relacionadas a vícios, que iam de fumo, alcoolismo, ao abuso no consumo de drogas. Como clínico, sabia que o vício físico básico tinha que ser superado para criar a abstinência inicial. Essa era a parte fácil do tratamento. Como Mark Twain disse uma vez: “Deixar de fumar é fácil; fiz isso centenas de vezes.” Entretanto, também sabia que a chave para manter a abstinência por um período prolongado de tempo era superar o vício psicológico do cliente, que era fortemente enraizado no seu senso básico de identidade, ou seja, o cliente se identificava como um “fumante”, ou como “um beberrão”, etc. O comportamento viciado se torna parte do senso básico de identidade do cliente, seu senso básico de ser. Mudar esse senso de identidade era crucial para a manutenção da “cura” psicoterapêutica. Essa era a parte difícil do tratamento. Mudar o senso básico de identidade de alguém é a tarefa mais difícil. A psique tende a se agarrar ao que é antigo e familiar, que parece mais confortável e seguro psicologicamente do que o novo e desconhecido.
Profissionalmente eu tinha o conhecimento acima e o usava diariamente. Entretanto, ironicamente, não estava pronto para aplicá-lo a mim mesmo, e à questão de minha própria hesitação em relação à minha identidade religiosa. Por 43 anos minha identidade religiosa tinha sido rotulada como “cristã”, embora muitas qualificações pudessem ser adicionadas àquele termo ao longo dos anos. Abrir mão daquele rótulo de identidade pessoal não era tarefa fácil. Era parte de como definia meu próprio ser. Fazendo um retrospecto, era claro que minha hesitação servia ao propósito de me assegurar que poderia manter minha identidade religiosa familiar de ser um cristão, embora sendo um cristão que acreditava como um muçulmano.
Era o final de dezembro e minha esposa e eu estávamos preenchendo nossos formulários para tirar passaportes americanos, para que uma viagem ao Oriente Médio pudesse se tornar realidade. Uma das perguntas tinha a ver com afiliação religiosa. Não pensei sobre o assunto e automaticamente recaí no antigo e familiar, e preenchi “cristão.” Era fácil, era familiar e era confortável.
Entretanto, aquele conforto foi momentaneamente interrompido quando minha esposa me perguntou como eu havia respondido à pergunta sobre identidade religiosa no formulário. Imediatamente respondi “cristão” e ri de forma audível. Uma das contribuições de Freud ao conhecimento da psique humana foi sua percepção de que a gargalhada geralmente é uma liberação de tensão psicológica. Por mais errado que Freud possa ter estado em muitos aspectos de sua teoria de desenvolvimento psicossexual, suas opiniões sobre o riso foram bem no alvo. Eu tinha gargalhado! Qual era essa tensão psicológica que eu precisava liberar através da gargalhada?
Apressei-me em oferecer à minha esposa uma afirmação breve de que era um cristão, não um muçulmano. Em resposta ela educadamente informou que estava apenas perguntando se eu tinha escrito “cristão”, “protestante” ou “metodista.” Profissionalmente eu sabia que uma pessoa não se defende contra uma acusação que não foi feita. (Se, no curso de uma sessão de psicoterapia meu cliente gritasse “Não estou zangado com isso” e eu não tivesse nem falado sobre o tópico da raiva, era claro que meu cliente sentia a necessidade de se defender contra uma acusação que seu próprio inconsciente fazia. Em resumo, ele estava realmente zangado, mas não estava pronto para admitir ou lidar com isso.) Se minha esposa não tinha feito a acusação, ou seja, “você é um muçulmano”, então a acusação tinha que vir de meu próprio inconsciente, já que eu era a única outra pessoa presente. Estava consciente disso, mas continuava a hesitar. O rótulo religioso que tinha sido colado ao meu senso de identidade por 43 anos não sairia facilmente.
Um mês tinha se passado desde a pergunta de minha esposa. Era agora final de janeiro de 1993. Tinha colocado de lado todos os livros sobre Islã escrito por estudiosos ocidentais, porque já os tinha lido extensivamente. As duas traduções para o inglês do significado do Alcorão estavam de volta à estante, e estava ocupado lendo uma terceira tradução para o inglês do significado do Alcorão. Talvez nessa tradução eu encontrasse alguma justificativa repentina para...
Estava na hora de almoço de meu atendimento particular em um restaurante árabe local que comecei a frequentar. Entrei como de costume, me sentei em uma pequena mesa e abri minha terceira tradução para o inglês do significado do Alcorão no ponto onde havia parado minha leitura. Pensei que poderia ler um pouco durante meu horário de almoço. Momentos depois me dei conta de que Mahmoud estava ao meu ombro, esperando para receber meu pedido. Ele olhou de relance para o que eu estava lendo, mas não disse nada. Meu pedido foi feito e voltei à solidão de minha leitura.
Poucos minutos depois, a esposa de Mahmoud, Iman, uma muçulmana americana que usava o Hijab (lenço) e vestimenta modesta que passei a associar com as muçulmanas, trouxe meu pedido. Ela comentou que eu estava lendo o Alcorão e educadamente perguntou se eu era muçulmano. A palavra saiu de minha boca antes de poder ser modificada por qualquer etiqueta social ou educação: “Não!” Aquela única palavra saiu de forma forçada e com mais do que um toque de irritação. Com isso, Iman educadamente se retirou de minha mesa.
O que estava acontecendo comigo? Tinha me comportado de forma rude e, de certa forma, agressivamente. O que essa mulher tinha feito para merecer esse comportamento de minha parte? Esse não era eu. Por conta de minha educação na infância, continuava a usar “senhor” e “senhora” quando me dirigia a balconistas e caixas que me atendiam em lojas. Podia fingir ignorar minha própria gargalhada como liberação de tensão, mas não podia ignorar esse tipo de comportamento inconsciente vindo de mim mesmo. Minha leitura foi deixada de lado e mentalmente refleti sobre esses eventos durante minha refeição. Quanto mais refletia, mais culpado me sentia por meu comportamento. Sabia que quando Iman trouxesse minha nota no final da refeição, teria que fazer certas correções. Se não fosse por outra razão, simplesmente porque a educação exigia. Além disso, estava realmente muito perturbado com o quão resistente tinha sido à sua pergunta inócua. O que estava acontecendo comigo que respondi com tanta violência à uma pergunta simples e direta? Por que aquela pergunta simples me levou a esse comportamento atípico de minha parte?
Mais tarde, quando Iman veio com minha nota, tentei ensaiar um pedido de desculpas dizendo: “Temo ter sido um pouco abrupto ao responder sua pergunta anteriormente. Se você estava me perguntando se acredito que só existe um Deus, então minha resposta é sim. Se você estava me perguntando se acredito que Muhammad era um dos profetas de Deus, então minha resposta é sim.” Ela, de forma muito gentil e incentivadora, disse: “Tudo bem; algumas pessoas levam mais tempo que outras.”
Talvez os leitores sejam gentis o suficiente em notar os jogos psicológicos que estava jogando comigo mesmo sem rir muito com minha ginástica mental e comportamento. Sabia muito bem que, usando minhas próprias palavras, tinha acabado de dizer a Shahada, o testemunho islâmico de fé, ou seja, “Testemunho que não existe deus mas Deus e testemunho que Muhammad é o mensageiro de Deus.” Entretanto, ao dizer isso e ao reconhecer o que havia dito, pude continuar me agarrando ao meu rótulo antigo e familiar de identidade religiosa. Afinal de contas, não tinha dito que era muçulmano. Era simplesmente um cristão, embora um cristão atípico, que estava disposto a dizer que havia um Deus, não uma divindade trina, e que estava disposto a dizer que Muhammad era um dos profetas inspirados por aquele Deus. Se um muçulmano quisesse me aceitar como sendo muçulmano isso era problema dele, e seu rótulo de identidade religiosa. Entretanto, não era meu. Pensei que tivesse encontrado uma saída para minha crise de identidade religiosa. Era um cristão que cuidadosamente explicaria que concordava com, e estava disposto a testemunhar, o testemunho de fé islâmico. Concluída minha explicação tortuosa e elaboração detalhada da língua inglesa, os outros poderiam me rotular do que quisessem. Era o rótulo deles, não meu.
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