Como Eu Passei a Amar o Véu

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Descrição: Capturada pelo Talebã e encarcerada no Afeganistão, uma repórter britânica conta suas opiniões sobre o véu e o tratamento de mulheres no Islã.

  • Por Yvonne Ridley (Washington Post)
  • Publicado em 04 Jan 2009
  • Última modificação em 07 Jan 2009
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How_I_Came_to_Love_the_Veil_001.jpgEu costumava ver as mulheres que usavam véu como criaturas quietas e oprimidas – até que eu fui capturada pelo Talebã.  Em setembro de 2001, apenas 15 dias depois dos ataques terroristas nos Estados Unidos, eu entrei furtivamente no Afeganistão, vestida com uma burca azul, pretendendo escrever um relato jornalístico da vida sob o regime repressivo.  Ao invés disso fui descoberta, presa e detida por 10 dias.  Eu cuspi e praguejei contra meus captores; eles me chamaram de mulher “má” mas me deixaram ir após eu prometer ler o Alcorão e estudar o Islã.  (Francamente, eu não sei ao certo quem estava mais feliz com a minha libertação - eles ou eu.) De volta ao lar em Londres, eu mantive a minha palavra sobre estudar o Islã - e estava admirada com o que havia descoberto.  Eu esperava capítulos do Alcorão sobre como bater em sua esposa e oprimir suas filhas; ao invés disso, encontrei passagens promovendo a liberação das mulheres.  Dois anos e meio após a minha captura eu me converti ao Islã, provocando uma mistura de perplexidade, decepção e encorajamento entre amigos e parentes.

Agora, com desgosto e tristeza eu assisto aqui na Grã-Bretanha o ex-secretário do Exterior Jack Straw[1] descrever o niqab islâmico – o véu que cobre a face e revela apenas os olhos – como uma barreira indesejável à integração, com o Primeiro-Ministro Tony Blair, o escritor Salman Rushdie e o Primeiro-Ministro italiano Romano Prodi correndo em sua defesa.  Tendo estado em ambos os lados do véu, eu posso dizer que a maioria dos políticos e jornalistas ocidentais que lamentam a opressão das mulheres no mundo islâmico não têm idéia do que estão falando.  Eles falam de véus, noivas-crianças, circuncisão feminina, crimes de honra e casamentos forçados, e erradamente culpam o Islã por tudo isso - sua arrogância superada apenas por sua ignorância.  Essas questões e costumes culturais não têm nada a ver com o Islã.  Uma leitura cuidadosa do Alcorão mostra que tudo pelo qual as feministas lutaram nos anos 70 estava disponível para as muçulmanas há 1.400 anos.  As mulheres no Islã são consideradas iguais aos homens em espiritualidade, educação e valor, e o dom de uma mulher para ter filhos e educá-los é considerado um atributo positivo.  Quando o Islã oferece tanto às mulheres, por que os homens ocidentais são tão obcecados com a vestimenta das muçulmanas?  Até os ministros do governo britânico Gordon Brown e John Reid fizeram observações disparatadas sobre o niqab – e eles nasceram ao longo da fronteira escocesa, onde homens usam saias.

Quando eu me converti ao Islã e comecei a usar um lenço na cabeça, as repercussões foram enormes.  Tudo que fiz foi cobrir minha cabeça e cabelo – mas instantaneamente me tornei uma cidadã de segunda classe.  Eu sabia que teria que lidar com islamofobia, mas não esperava tanta hostilidade aberta de estranhos.  Táxis passavam por mim à noite, com suas luzes brilhando, indicando que estavam livres.  Um taxista, depois de deixar um passageiro branco bem na minha frente, me encarou quando eu bati em sua janela, e foi embora.  Um outro disse, “Não deixe uma bomba no banco de trás” e perguntou, “Onde é o esconderijo de bin Laden?”  Sim, é uma obrigação religiosa para muçulmanas vestirem-se modestamente, mas a maioria das muçulmanas que conheço gosta de usar o hijab, que deixa o rosto descoberto, embora umas poucas prefiram o niqab.  É uma declaração pessoal: minha vestimenta lhe diz que sou muçulmana e espero ser tratada de maneira respeitosa, tanto quanto um banqueiro de Wall Street diria que um terno o define como um executivo a ser levado a sério.  E, especialmente entre convertidas à crença como eu, a atenção de homens que confrontam mulheres com comportamento inapropriado e malicioso não é tolerada.

Eu fui uma feminista ocidental por muitos anos, mas eu descobri que as feministas muçulmanas são mais radicais do que suas equivalentes seculares.  Nós odiamos aqueles concursos de beleza e tentamos parar de rir em 2003 quando juízes da competição Miss Terra louvaram a emergência de uma Miss Afeganistão usando biquíni, Vida Samadzai, como um gigantesco salto para a liberação das mulheres.  Eles até concederam à Samadzai um prêmio especial por “representar a vitória dos direitos das mulheres.”  Algumas jovens feministas muçulmanas consideram o hijab e o niqab símbolos políticos, também, uma forma de rejeitar os excessos do ocidente como bebedeira, sexo casual e uso de drogas.  O que é mais liberador:  ser julgada pelo comprimento de sua saia e o tamanho de seus seios aumentados cirurgicamente, ou por seu caráter e inteligência?  No Islã, a superioridade é alcançada através da piedade – não beleza, poder, posição ou sexo.

Eu não sabia se gritava ou ria quando Prodi, da Itália, se uniu ao debate da semana passada ao declarar que é “bom senso” não usar o niqab porque ele torna relações sociais “mais difíceis.”  Bobagem.  Se fosse esse o caso, então por que celulares, linhas fixas, e-mail, mensagens de texto e faxes fazem parte da rotina diária?  E ninguém desliga o rádio porque não pode ver o rosto do apresentador.  Sob o Islã, eu sou respeitada.  Ele me diz que eu tenho direito à educação e que é meu dever buscar conhecimento, independentemente de ser solteira ou casada.  Em nenhum lugar na estrutura do Islã é dito que as mulheres devem lavar, limpar ou cozinhar para os homens.  Quanto aos muçulmanos terem permissão para bater em suas esposas – simplesmente não é verdade.  Os críticos do Islã cotarão versículos corânicos ou hadiths aleatórios, mas usualmente fora de contexto.  Se um homem levanta um dedo contra sua esposa, ele não pode deixar uma marca no corpo dela, o que é a forma do Alcorão dizer, “Não bata em sua esposa, estúpido.”  Não são apenas os homens muçulmanos que devem reavaliar o lugar e tratamento de mulheres.  De acordo com uma pesquisa recente da Linha Direta Nacional para Violência Doméstica, 4 milhões de mulheres americanas experimentam uma agressão grave de um parceiro durante um período médio de 12 meses.  Mais de três mulheres são mortas por seus maridos e namorados todos os dias – aproximadamente 5.500 desde 11 de setembro.

Homens violentos não vêm de uma categoria religiosa ou cultural em particular; uma em cada três mulheres em todo o mundo foi espancada, coagida a fazer sexo ou abusada de outra forma durante sua vida, de acordo com a pesquisa.  Esse é um problema global que transcende religião, riqueza, classe, raça e cultura.  Mas também é verdade que no ocidente os homens continuam a acreditar que são superiores às mulheres, apesar dos protestos em contrário.  Eles continuam a receber melhor pagamento por trabalho igual – seja no setor de correspondências ou na sala de reuniões da diretoria – e as mulheres continuam a ser tratadas como commodities sexualizados cujo poder e influência fluem diretamente de sua aparência.   E para aqueles que continuam tentando alegar que o Islã oprime as mulheres, lembrem-se da declaração de 1992 do Reverendo Pat Robertson, apresentando suas opiniões sobre mulheres poderosas: o feminismo é um “movimento político, socialista, contra a família, que encoraja mulheres a deixarem seus maridos, matarem seus filhos, praticarem bruxaria, destruírem o capitalismo e se tornarem lésbicas.”  Agora me diga quem é civilizado e quem não é.

(Yvonne Ridley é editora política do Islam Channel TV em Londres e co-autora de “In the Hands of the Taliban: Her Extraordinary Story” (“Nas Mãos do Talebã: Sua História Extraordinária”, em tradução livre).



Footnotes:

[1] Para essas declarações, por favor, ver : (http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/politics/5410472.stm e http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/politics/5411954.stm).

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