A Carta do Profeta ao Imperador de Bizâncio (parte 3 de 3): Heráclito Convida Seus Súditos
Descrição: O reconhecimento de que Muhammad foi um profeta, o convite feito por Heráclito a seus súditos e a reação deles. Uma discussão de algumas lendas referentes a como a carta foi transmitida como herança.
- Por Jeremy Boulter (© 2012 IslamReligion.com)
- Publicado em 19 Mar 2012
- Última modificação em 19 Mar 2012
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A Leitura Pública da Carta
Depois de Heráclito ter confirmado que acreditava que Muhammad era um profeta, ele disse:
“Sabia que ele apareceria, mas não sabia que seria um de vocês. Se o que dizem é verdade, ele governará o solo debaixo de meus pés; se eu soubesse que o com certeza o encontraria em pessoa, faria a jornada para encontrá-lo; e se estivesse com ele, lavaria seus pés."
Isso está de acordo com a colocação dessa história após o relato de ibn al-Natur da tentativa de Heráclito prever o futuro astrologicamente. É aparente que ele “sabia”, ou pelo menos suspeitava, que um poderoso profeta tinha surgido entre o povo árabe. Foi nesse estágio que perguntou pela carta que tinha recebido do mensageiro de Deus, para lê-la em voz alta para a assembléia.
“Quando Heráclito tinha terminado seu discurso e tinha lido a carta, havia um grande alarido na corte real e os mecanos foram expulsos. Abu Sufyan comentou em voz alta com seus companheiros: “Os assuntos de ibn abi-Kabsha[1] se tornaram tão proeminentes que até o rei de Bani-Asfar (os de pele clara) o teme.”
Abu Sufyan disse depois ao narrador[2]: “Fiquei triste, por Deus, e reservado, certo de que os assuntos de Muhammad emergeriam triunfantes até que Deus trouxe meu coração ao ponto de abraçar o Islã.”
Heráclito em Homs
Enquanto isso, de acordo com a narração de ibn al-Natur, Heráclito tinha escrito uma carta a um amigo em Roma referente à carta que tinha recebido[3], cujo conhecimento confiava ser comparável ao seu próprio. Então deixou Jerusalém[4] para Homs (Emesa, nos tempos romanos) na Síria, onde esperou a resposta.
“Quando recebeu a resposta de seu amigo, viu que o homem concordava que os sinais portentavam o aparecimento de um novo líder e que o líder era o profeta esperado. Com base nisso, Heráclito convidou todos os nobres de Bizâncio para se reunirem em seu palácio em Homs.
“Quando seus nobres tinham se reunido, ordenou que todas as portas de seu palácio fossem fechadas. Então se apresentou e disse: “Ó bizantinos! Se desejam o sucesso e buscam orientação correta e querem que seu império permaneça, então façam uma promessa de aliança com o profeta emergente!
“Ao ouvir seu convite, os nobres da Igreja correram na direção dos portões do palácio como uma horda de asnos selvagens, mas encontraram as portas fechadas. Heráclito, percebendo seu ódio em relação ao Islã, perdeu a esperança de que um dia abraçariam o Islã e ordenou que fossem trazidos de volta para a sala de audiências. Após retornarem, ele disse: “O que eu disse foi simplesmente para testar a força de sue convicção e eu a vi.
“O povo se prostrou perante ele e ficou satisfeito com ele e Heráclito se afastou da fé.”
Uma lenda se desenvolveu ao redor dos eventos em Homs. Diz-se que Heráclito primeiro sugeriu que seus bispos abraçassem o Islã, mas quando recusaram sugeriu que o império pagasse tributo ao profeta do Islã. Quando recusaram isso, sugeriu fazer a paz com os muçulmanos aceitando um pacto de não-beligerância. Quando isso também foi recusado, deixou a Síria em direção a Bizâncio e abriu mão de todo o interesse em preservar o império ao sul e leste de Antioquia – nunca partindo em campo contra o avanço muçulmano em pessoa e enviando generais incompetentes como defensores de suas terras no Oriente Médio. O que é certo é que tratou a carta e a reivindicação à missão profética seriamente e fez todo o esforço para mudar de opinião, antes de voltar atrás.
A Herança
O historiador al-Suhayli foi a fonte de mais duas histórias associadas com a carta para Heráclito, ambas incluídas por ibn Hajar no comentário sobre as histórias acima.[5] Comentou que al-Suhayli se lembrou de ouvir de uma carta que era mantida em uma caixa incrustada de diamante, o que mostrava o alto status de seu dono, que tinha sido deixada como herança até aquele dia e tinha chegado às mãos do rei de Franja.[6] Seus descendentes pensaram que tinha ficado sob sua posse na época da conquista de Toledo[7] e o comandante do exército muçulmano, Abdul Malik bin Saad veio a saber dela através de um desses descendentes[8] no século 12. Alguns dos companheiros de Abdul Malik relataram que o comandante do exército muçulmano se sentou com o rei de Franja[9], levou a carta em seu caixa incrustada de jóias. Quando Abdul Malik viu o pergaminho guardado percebeu que era muito antigo e perguntou se podia beijar a venerável antiguidade. Entretanto, o rei de Franja recusou.
Al Suhayli disse ainda que ouviu por mais de uma fonte que o jurista Nuraddin ibn Saygh al-Dimashqi disse que ouviu que Sayfuddin Flih al-Mansuri foi enviado pelo rei al-Mansur Qalaun[10] com um presente para o rei do Marrocos[11], que então enviou o presente para o rei de Franja[12], em troca de um favor não mencionado, que foi concedido. O rei de Franja convidou o mensageiro a ficar em seu reino por um tempo, mas ele recusou a oferta. Antes de partir, entretanto, o rei perguntou a Sayfuddin se gostaria de ver um valioso objeto que podia ser de interesse para ele (como muçulmano). Então trouxe um baú cheio de compartimentos, cada compartimento cheio de tesouros.
De um dos compartimentos tirou uma longa e fina caixa incrustada de diamante (mais como um estojo de lápis). Abriu-a e tirou um pergaminho. O papel antigo do pergaminho estava danificado e a escrita nele tinha de certa forma desbotado, mas a maior parte tinha sido preservada por ter sido colocado entre duas peças de seda quando foi enrolado para armazenamento. O rei de Franja disse: “Essa é a carta que meu ancestral, César, recebeu de seu profeta, que me foi transmitida como herança. Nosso ancestral deixou um testamento que seus descendentes deviam manter essa herança se desejassem governar o reino de forma duradoura. Com isso estamos fortemente protegidos desde que respeitemos a carta e a mantenhamos oculta. Assim o reino chegou até nós.” [13]
O quanto é exatamente válida a reivindicação de que o reino de Heráclito (que tinha sido oficialmente o César do império romano inteiro) tinha sido passado para ele é questionável, uma vez que o império bizantino continuava a existir no leste e continuaria a existir por mais 150 anos. Entretanto, Heráclito pode ter enviado a carta para Roma, como mencionado antes, e a carta pode ter sido mantida lá e passada adiante para a linha visigoda dos imperadores quando Charlemagne foi coroado imperador em Roma, pelo Papa Léo III em 800 EC.
Não podemos dizer categoricamente que a carta de fato sobreviveu aos séculos, embora essas histórias apontem para essa possibilidade. Uma das cartas do profeta continua a existir em seu pergaminho original no museu Topkapi.
Conclusão
Muitos podem pensar que Heráclito secretamente se tornou muçulmano, porque procurou descobrir se a reivindicação profética de Muhammad era verdadeira pela consideração de seu histórico, motivações e efeitos sobre seu povo; seu caráter, realizações e mensagem. A julgar por sua resposta para Abu Sufyan e o convite para seus pilares de sociedade em Homs, parece que foi convencido de que Muhammad era genuíno. Talvez seu coração estivesse inclinado na direção do monoteísmo expresso por Muhammad em sua carta e certamente tentou seguir seu conselho de evitar o pecado de desorientar aqueles que governava. Seus súditos, entretanto, se mostraram tão fortes em sua rejeição que ele capitulou à pressão deles, incapaz de se submeter a sua nova fé porque temeu a rebelião do povo. Por essa razão, assim como o tio do profeta, Abu Talib, que acreditava que Muhammad era um profeta e o protegeu durante sua vida madura até sua morte, mas não se submeteu ao Islã devido à vergonha de seus pares, Heráclito morreu como um descrente no Islã e no profeta de Deus.
Footnotes:
[1]O profeta Muhammad, que a misericórdia e as bênçãos de Deus estejam sobre ele.
[2]Ibn Abbas.
[3]É possível que enviou a verdadeira carta do profeta com sua solicitação para acessá-la, embora isso não esteja explícito na narração.
[4]Está registrado historicamente que em março de 630 EC ele restaurou a cruz que os nestorianos tinham removido da igreja do Santo Sepulcro, vários meses após seu encontro com Abu Sufyan. Deixou Homs logo depois disso.
[5] Fat-hal-Bari de Ibn Hajar al-Askalani.
[6] ‘Franja’ é a palavra espanhola para o(s) reino(s) costeiros da Península Ibérica. Nessa história os reis de Franja são das dinastias Jimenez e Burgúndia de Astúrias, Galícia, Leão e Castela (que se dividiu de Leon). Leão passou a existir quando o reino de Astúrias foi dividido em três em 910.
Ver (em inglês) (http://www.tacitus.nu/historical-atlas/regents/iberian/leon.htm).
[7] Por Alfonso VI 1085 EC, ou 478H.
[8] Os reis de Leão da Casa de Burgúndia.
[9] Embora o nome não seja mencionado, provavelmente foi Alfonso VII “o imperador” ou Ferdinando II de Leão e Castela.
[10] Possivelmente o rei egípcio da dinastia Mameluca, que governou o Egito de 1278-90 EC.
[11] Muito provavelmente Abu Yusuf Yaqub da dinastia Merínida, que reinou de 1259-86 EC.
[12] Mais provavelmente, Alfonso X, rei de Castela e Leão (1252-84EC). Tinha o título de Rex Romanorum (o rei de Roma – Ver (em inglês): http://www.masterliness.com/s/Rex.Romanorum.htm), para o qual foi eleito, já que sua família era uma das que podiam reivindicar descendência de Charlemagne. Ver (em inglês): (http://www.masterliness.com/a/Alfonso.X.of.Castile.htm).
[13] Alfonso VII, seu antepassado, tinha sido conhecido como “o imperador” porque tradicionalmente os reis de Leão e Astúrias, sendo descendentes do sagrado império romano visigodo, eram conhecidos como pretendentes ao império da Ibéria.
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