A Carta do Profeta ao Imperador de Bizâncio (parte 1 de 3): Introdução
Descrição: O histórico e contexto nos quais a carta foi escrita, a mensagem que continha e como foi recebida.
- Por Jeremy Boulter (© 2012 IslamReligion.com)
- Publicado em 30 Jan 2012
- Última modificação em 30 Jan 2012
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Organização do Artigo
Esse artigo consiste de uma primeira parte que é o histórico e contexto das duas histórias que são contadas na segunda e terceira parte. A história principal é a narração de Abu Sufyan ibn Harb para Abdullah ibn Abbas referente ao seu encontro com Heráclito em Jerusalém, registrado na coletânea de Saheeh al-Bukhari. Anexa a essa narração está outro, cuja fonte foi o governador de Jerusalém, ibn al-Natur. A partir dos eventos registrados em cada história, parece óbvio que o convite ao Islã por Heráclito ao seu povo em Homs aconteceu em uma data posterior ao seu encontro com Abu Sufyan em Jerusalém. Entretanto, também parece claro que Heráclito deve ter chamado Abu Sufyan depois de ter ouvido notícias do profeta na Arábia. Além disso, sem dúvida quando Abu Sufyan o encontrou Heráclito estava de posse da carta do profeta. Assim dividimos a narração de ibn al-Natur em dois episódios que coincidentemente ocorreram em dois lugares diferentes. O primeiro episódio ocorreu em Jerusalém, antes do encontro de Abu Sufyan com Heráclito lá, enquanto que o segundo em Homs, depois de Heráclito deixar Jerusalém. Também colocou a narração dividida antes e depois da história de Abu Sufyan. Ambas as histórias foram narradas por ibn Abbas.
Abu Sufyan ibn Harb
Embora Abu Sufyan fosse, no fim, abraçar o Islã, durante a maior parte de sua carreira ao longo da vida do profeta foi um opositor implacável. Foi o líder do clã omíada da tribo coraixita e o chefe de toda a tribo coraixita, fazendo dele um dos homens mais poderosos em Meca durante a vida de Muhammad. Seu bisavô foi Abdul Shams ibn Abd al-Manaf, cujo irmão foi Hashim, o bisavô de Muhammad. Então, eram primos distantes. Foi a posição de Abu Sufyan que fez dele um inimigo de Muhammad, a quem via como uma ameaça a seu poder e um blasfemador dos deuses coraixitas. A inimizade entre os coraixitas, de quem Abu Sufyan era um líder proeminente, e os primeiros muçulmanos chegou a tal ponto que ele participou de muitas batalhas travadas entre os dois lados depois dos muçulmanos se estabelecerem em Medina e foi ele quem liderou o exército coraixita na batalha de Uhud em 625 EC. Depois do tratado de Hudaybiyya em 628 EC, ele assaltou uma caravana para a Grande Síria e foi chamado a César em Jerusalém. Enquanto isso, o tratado com Muhammad foi quebrado pelos aliados dos coraixitas, enquanto Abu Sufyan estava de volta para Meca. Sabendo que os muçulmanos agora estavam livres do tratado feito um ano e meio antes, foi pessoalmente para Medina tentar corrigir a situação, mas saiu de mãos vazias. Os muçulmanos subsequentemente atacaram Meca em 630 EC. Ao ver os escritos no muro Abu Sufyan fugiu da cidade, mas depois retornou para abraçar o Islã.
O Profeta e o Imperador
O profeta Muhammad e o imperador Heráclito foram contemporâneos. Nasceram com apenas 5 anos de diferença e ambos viveram até alcançarem mais de 60 anos. O reino de Heráclito foi marcado por altos e baixos em sucessos militares. Em 609 EC, quando estava com 40 anos, Muhammad recebeu as primeiras revelações que marcaram o início de sua missão profética. Em 610 EC Heráclito depôs o imperador Procus e tomou seu lugar, mas o início de seu reinado foi marcado pela derrota de seus exércitos na Palestina e Turquia, entre 614 e 619 EC.[1] Essas derrotas, e a subsequente vitória que os romanos desfrutariam, foram mencionadas no Alcorão na época:
“Os bizantinos foram derrotados na terra mais baixa; porém, depois de sua derrota, vencerão, dentro de alguns anos;” (Alcorão 30:2-4)
A reconquista pelos romanos das terras cedidas a Khosrau começou em 625 e terminou em triunfo em 627 EC. No ano seguinte, Muhammad, que Allah o louve, enviou a seguinte carta para Heráclito pelas mãos de Dihya al-Kalbi, através do governador de Bostra al-Sham, na Síria.
A Carta
A carta que Muhammad enviou está incorporada na narração de Abu Sufyan e a reproduzo abaixo na íntegra, como Heráclito a leu perante todos os seus nobres.
Em nome de Deus, o Beneficente, o Misericordioso.
A carta é de Muhammad, o servo de Deus e Seu mensageiro para Heráclito, o governante dos bizantinos.
Que a paz esteja sobre ele, que segue a senda reta.
Escrevo esse convite para convidá-lo ao Islã.[2] Se se tornar muçulmano será salvo – e Deus dobrará sua recompensa, mas se rejeitar esse convite do Islã carregará o pecado de ter desorientado seus súditos[3]. Assim, o incentivo a prestar atenção ao seguinte:
“Ó Povo do Livro! Vinde, para chegarmos a um termo comum, entre nós e vós: Comprometamo-nos, formalmente, a não adorar senão a Deus, a não Lhe atribuir parceiros e a não nos tomarmos uns aos outros por senhores, em vez de Deus. Porém, caso se recusem, dize-lhes: Testemunhais que somos muçulmanos.”
Muhammad, o Mensageiro de Deus.[4]
Em contraste a Khosrau II, que recebeu carta semelhante anteriormente, o imperador bizantino Heráclito manteve a carta e procurou encontrar confirmação referente ao que ela continha. Muito diferente do tratamento dispensado a carta para Khosrau II, do império sassânida. De acordo com Abdullah ibn Abbas, ela foi enviada com Abdullah ibn Hudhafa al-Sahmi através do governador de Bahrein.
“Quando Khosrau leu a carta, a rasgou. Saeed ibn al-Musaiyab disse: “O profeta então invocou Deus para destruir e dispersar totalmente Khosrau e seus seguidores, com severidade." (Saheeh Al-Bukhari)
O império sassânida foi completamente dissolvido quase que imediatamente, primeiro através da derrota pelos romanos e então pelo ataque da nova nação muçulmana. O império bizantino, também, enquanto estava sob Heráclito, se dissolveu no Egito, Palestina e Síria. Entretanto, ao contrário do império sassânida, o império bizantino continuou de várias formas por mais 800 anos até Constantinopla finalmente cair, e isso pode ter sido por causa do contraste na forma como cada carta foi recebida.
Footnotes:
[1]Heraclius. (2006). Em Encyclopædia Britannica. Recobrado em 22 de Agosto de 2006, de Encyclopædia Britannica Premium Service.
[2]Que ninguém tem o direito de ser adorado exceto Deus e que Muhammad é Seu mensageiro.
[3]E também seu próprio pecado de rejeitá-lo.
[4]Essa carta está preservada em alguns livros de história e uma ilustração da carta original foi incluída em Khan, Dr. Majid Ali (1998). Muhammad The Final Messenger. Islamic Book Service, New Delhi, 110002 (India). Uma de suas cartas aos governantes cristãos está preservada no Museu Topkapi, em Istanbul.
A Carta do Profeta ao Imperador de Bizâncio (parte 2 de 3): A Recepção
Descrição: Os portentos e notícias do profeta do Islã que foi a Heráclito e sua verificação das credenciais do autor da carta.
- Por Jeremy Boulter (© 2012 IslamReligion.com)
- Publicado em 30 Jan 2012
- Última modificação em 05 Feb 2012
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Heráclito Recebe Notícias de Muhammad
Ibn al-Natur era o governador de Jerusalém para Heráclito, que era o chefe dos cristãos da Grande Síria. Ibn al-Natur narra que, uma vez, enquanto estava em Jerusalém:
Heráclito levantou de mau humor e alguns dos sacerdotes lhe perguntaram por que.
Por praticar astrologia, Heráclito tinha tentado mapear o futuro.
Em resposta a essa pergunta, ele disse: “Noite passada estava procurando nas estrelas e vi que um líder daqueles que praticam circuncisão tinha surgido (e conquistaria todos à sua frente). Quem são os que praticam circuncisão?”
Os sacerdotes responderam: “Exceto os judeus ninguém pratica circuncisão e não precisa temê-los; apenas emita ordens para matar todo judeu presente no país.”
Enquanto discutiam sobre isso, chegou um mensageiro enviado pelo rei de Ghassan[1] para transmitir notícias do mensageiro de Deus a Heráclito.
(Essas notícias podem ser a carta do profeta).
Ao ouvir as notícias, Heráclito ordenou ao sacerdote que verificasse se o mensageiro de Ghassan era circuncisado. Depois de ser fisicamente examinado, relataram que o homem era circuncisado. Heráclito então perguntou ao mensageiro sobre o costume dos árabes. O mensageiro respondeu: “Os árabes também praticam circuncisão.”
Quando ouviu isso, Heráclito disse: “O reino dos árabes começou e seu reinado está prestes a se manifestar.” [2]
A história a seguir é tirada das narrativas dos companheiros do profeta. A história foi contada por Abu Sufyan a Abdullah Ibn Abbas, que a relatou aos outros.[3] Ibn Abbas era um aluno muito devotado a Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, e um sábio muito respeitado do Alcorão.
O Encontro de Abu Sufyan com Heráclito
Em 629 EC, três anos antes da morte do mensageiro de Deus, Heráclito reconquistou Jerusalém de forma triunfante carregando o que se dizia ser a cruz original venerada pelos cristãos e que Khosrau II tinha pegado como botim 15 anos antes.[4] Enquanto residiu lá a carta que Muhammad tinha enviado, talvez um ano antes, chegou às suas mãos. Quando a leu, perguntou se havia alguém do povo do autor no território que controlava e lhe contaram sobre a caravana de negócios de Abu Sufyan, de Meca, que fazia negócios nas proximidades. Ele, com seus companheiros, foram convocados para a corte do imperador em Jerusalém, se apresentando a Heráclito que tinha os nobres bizantinos ao redor dele.
As Perguntas Apresentadas por Heráclito e Suas Respostas
Heráclito chamou seu intérprete para que os questionasse, ordenando-o que perguntasse quem entre eles era o mais próximo, em termos de parentesco, do homem que reivindicava ser um profeta.
Abu Sufyan respondeu: “Sou o parente mais próximo dele (nesse grupo).”
Heráclito perguntou: “E qual é a relação entre vocês?”
Abu Sufyan disse: “Ele é meu primo (distante) por parte do meu pai.” [5]
Heráclito disse: “Aproximem-no!” e os companheiros de Abu Sufyan ficaram atrás dele, em seus ombros. Então ordenou a seu intérprete: “Diga a seus companheiros que vou questioná-lo sobre o homem que alega ser um profeta e se ele disser uma mentira, que a repudiem imediatamente como uma mentira.”
“Como é a linhagem desse homem entre vocês?” continuou o imperador romano.
“De descendência nobre.” Respondeu Abu Sufyan.
Heráclito perguntou ainda: “Algum de vocês alguma vez já reivindicou o mesmo que ele?”“Ele era inclinado à mentira antes de reivindicar o que reivindicou?” “Alguém entre seus ancestrais foi um rei?”
A cada pergunta Abu Sufyan só podia responder “Não”.
“Os nobres de nascimento ou os humildes entre seu povo o ouvem?”
Abu Sufyan respondeu: “Os desprovidos, ao invés dos nobres de nascimento, o seguem.”
Ele disse: “Estão aumentando ou diminuindo em número?”
“Aumentando”, foi a resposta.
Ele então perguntou: “Alguém entre os que abraçaram sua religião se afastaram descontentes ou renunciaram a ela depois de um tempo.”
“Não”.
Heráclito disse: “Ele quebra suas alianças?”
O líder da caravana respondeu: “Não. Temos um tratado com ele agora, mas tememos que possa nos trair.”
O questionamento continuou de forma incansável: “Já se combateram?”
“Sim.”
“Qual foi o resultado das batalhas?”
“Umas vezes ele ganha as batalhas, às vezes nós ganhamos.”
“O que ele os ordena fazer (quando prega)?
“Diz-nos para adorar somente a Deus e não adorar nada junto com Ele e para renunciar a todos os ídolos que nossos ancestrais nos ensinaram a adorar. Ordena-nos a orar, dar caridade, sermos castos, cumprirmos as promessas e desempenharmos nossos compromissos assumidos com amigos e parentes.”
Abu Sufyan admitiu posteriormente que teria mentido sobre o profeta, se não temesse a vergonha de ver seus colegas (que o ouviam) espalharem relatos de que era um mentiroso. Então respondeu o mais fielmente que pode. Também mencionou a parte que temia uma traição de Muhammad e daqueles que liderava porque apresentava a melhor oportunidade de deixar escapar um comentário negativo sobre ele.
O Imperador Avalia o Interrogatório
Depois de ter terminado de interrogar Abu Sufyan sobre o profeta, Heráclito decidiu dizer-lhe o que tinha aprendido da entrevista. Seu intérprete transmitiu sua análise.
Disse: “Perguntei sobre sua linhagem entre vocês e afirmaram que era de linhagem sólida. De fato, todos os mensageiros de Deus vêm de linhagens sólidas entre seus respectivos povos.
“Então perguntei se alguém havia reivindicado o que ele reivindica entre os de sua tribo e sua resposta foi negativa. Se tivesse dito que outros tinham feito essa reivindicação, teria suposto que ele estava seguindo o que tinha sido dito antes dele.
“Perguntei ainda se ele era um mentiroso antes de dizer o que disse e vocês disseram que não. Sei que uma pessoa que não mente sobre outros homens nunca mentiria sobre Deus.
“E perguntei se algum dos ancestrais dele tinha sido um rei. Se sua resposta fosse afirmativa, teria pensado que o homem buscava restaurar o reino de seu ancestral.
“Então perguntou se o nobre de nascimento ou o humilde o seguiam e me disseram que seus seguidores eram principalmente pessoas humildes. De fato, eles invariavelmente são os seguidores de mensageiros.
“Então perguntei se seus seguidores estavam aumentando ou diminuindo e vocês me informaram que estavam aumentando. E assim é com fé verdadeira até que esteja completa.
“Perguntei ainda se alguém que tinha abraçado a religião que ele ensina havia se afastado descontente e a renunciado depois de um tempo. Sua resposta foi negativa, que é o que acontece com a verdadeira fé quando o encanto dela se mistura completamente em seus corações.
“E perguntei se tinham lutado entre si, ao que responderam afirmativamente, acrescentando que as fortunas da guerra às vezes estavam a seu favor e, às vezes, a favor dele. Assim é com todos os mensageiros, mas a vitória final estará com ele.
“Perguntei se era traiçoeiro, e disseram que não. Assim é com todos os mensageiros; nunca agem de forma traiçoeira.
“Então perguntei o que ele lhes prescreve na religião que prega. Afirmaram que ordena que adorem somente Deus e não O associem com coisa alguma e não adorem os ídolos de seus ancestrais. E que prescreve a oração e caridade, castidade, o cumprimento de promessas e desempenho de compromissos assumidos. E essa é a descrição do que um profeta faz.”
Assim o César bizantino reconheceu a missão profética do mensageiro de Deus.
Footnotes:
[1]Ghassan era um estado vassalo do império romano na Grande Síria administrado pelo rei árabe leal a Bizâncio.
[2]Esse aspecto da história continuará no próximo artigo.
[3]As histórias nesse artigo estão como relatadas Abdullah ibn Abbas em Saheeh Bukhari
[4]Khosrau II, um artigo da Wikipédia que incorpora informação de Heráclito e Khosrau II da Encyclopædia Britannica (2006).
[5]“o filho de meu bisavô por parte de pai.”
A Carta do Profeta ao Imperador de Bizâncio (parte 3 de 3): Heráclito Convida Seus Súditos
Descrição: O reconhecimento de que Muhammad foi um profeta, o convite feito por Heráclito a seus súditos e a reação deles. Uma discussão de algumas lendas referentes a como a carta foi transmitida como herança.
- Por Jeremy Boulter (© 2012 IslamReligion.com)
- Publicado em 19 Mar 2012
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A Leitura Pública da Carta
Depois de Heráclito ter confirmado que acreditava que Muhammad era um profeta, ele disse:
“Sabia que ele apareceria, mas não sabia que seria um de vocês. Se o que dizem é verdade, ele governará o solo debaixo de meus pés; se eu soubesse que o com certeza o encontraria em pessoa, faria a jornada para encontrá-lo; e se estivesse com ele, lavaria seus pés."
Isso está de acordo com a colocação dessa história após o relato de ibn al-Natur da tentativa de Heráclito prever o futuro astrologicamente. É aparente que ele “sabia”, ou pelo menos suspeitava, que um poderoso profeta tinha surgido entre o povo árabe. Foi nesse estágio que perguntou pela carta que tinha recebido do mensageiro de Deus, para lê-la em voz alta para a assembléia.
“Quando Heráclito tinha terminado seu discurso e tinha lido a carta, havia um grande alarido na corte real e os mecanos foram expulsos. Abu Sufyan comentou em voz alta com seus companheiros: “Os assuntos de ibn abi-Kabsha[1] se tornaram tão proeminentes que até o rei de Bani-Asfar (os de pele clara) o teme.”
Abu Sufyan disse depois ao narrador[2]: “Fiquei triste, por Deus, e reservado, certo de que os assuntos de Muhammad emergeriam triunfantes até que Deus trouxe meu coração ao ponto de abraçar o Islã.”
Heráclito em Homs
Enquanto isso, de acordo com a narração de ibn al-Natur, Heráclito tinha escrito uma carta a um amigo em Roma referente à carta que tinha recebido[3], cujo conhecimento confiava ser comparável ao seu próprio. Então deixou Jerusalém[4] para Homs (Emesa, nos tempos romanos) na Síria, onde esperou a resposta.
“Quando recebeu a resposta de seu amigo, viu que o homem concordava que os sinais portentavam o aparecimento de um novo líder e que o líder era o profeta esperado. Com base nisso, Heráclito convidou todos os nobres de Bizâncio para se reunirem em seu palácio em Homs.
“Quando seus nobres tinham se reunido, ordenou que todas as portas de seu palácio fossem fechadas. Então se apresentou e disse: “Ó bizantinos! Se desejam o sucesso e buscam orientação correta e querem que seu império permaneça, então façam uma promessa de aliança com o profeta emergente!
“Ao ouvir seu convite, os nobres da Igreja correram na direção dos portões do palácio como uma horda de asnos selvagens, mas encontraram as portas fechadas. Heráclito, percebendo seu ódio em relação ao Islã, perdeu a esperança de que um dia abraçariam o Islã e ordenou que fossem trazidos de volta para a sala de audiências. Após retornarem, ele disse: “O que eu disse foi simplesmente para testar a força de sue convicção e eu a vi.
“O povo se prostrou perante ele e ficou satisfeito com ele e Heráclito se afastou da fé.”
Uma lenda se desenvolveu ao redor dos eventos em Homs. Diz-se que Heráclito primeiro sugeriu que seus bispos abraçassem o Islã, mas quando recusaram sugeriu que o império pagasse tributo ao profeta do Islã. Quando recusaram isso, sugeriu fazer a paz com os muçulmanos aceitando um pacto de não-beligerância. Quando isso também foi recusado, deixou a Síria em direção a Bizâncio e abriu mão de todo o interesse em preservar o império ao sul e leste de Antioquia – nunca partindo em campo contra o avanço muçulmano em pessoa e enviando generais incompetentes como defensores de suas terras no Oriente Médio. O que é certo é que tratou a carta e a reivindicação à missão profética seriamente e fez todo o esforço para mudar de opinião, antes de voltar atrás.
A Herança
O historiador al-Suhayli foi a fonte de mais duas histórias associadas com a carta para Heráclito, ambas incluídas por ibn Hajar no comentário sobre as histórias acima.[5] Comentou que al-Suhayli se lembrou de ouvir de uma carta que era mantida em uma caixa incrustada de diamante, o que mostrava o alto status de seu dono, que tinha sido deixada como herança até aquele dia e tinha chegado às mãos do rei de Franja.[6] Seus descendentes pensaram que tinha ficado sob sua posse na época da conquista de Toledo[7] e o comandante do exército muçulmano, Abdul Malik bin Saad veio a saber dela através de um desses descendentes[8] no século 12. Alguns dos companheiros de Abdul Malik relataram que o comandante do exército muçulmano se sentou com o rei de Franja[9], levou a carta em seu caixa incrustada de jóias. Quando Abdul Malik viu o pergaminho guardado percebeu que era muito antigo e perguntou se podia beijar a venerável antiguidade. Entretanto, o rei de Franja recusou.
Al Suhayli disse ainda que ouviu por mais de uma fonte que o jurista Nuraddin ibn Saygh al-Dimashqi disse que ouviu que Sayfuddin Flih al-Mansuri foi enviado pelo rei al-Mansur Qalaun[10] com um presente para o rei do Marrocos[11], que então enviou o presente para o rei de Franja[12], em troca de um favor não mencionado, que foi concedido. O rei de Franja convidou o mensageiro a ficar em seu reino por um tempo, mas ele recusou a oferta. Antes de partir, entretanto, o rei perguntou a Sayfuddin se gostaria de ver um valioso objeto que podia ser de interesse para ele (como muçulmano). Então trouxe um baú cheio de compartimentos, cada compartimento cheio de tesouros.
De um dos compartimentos tirou uma longa e fina caixa incrustada de diamante (mais como um estojo de lápis). Abriu-a e tirou um pergaminho. O papel antigo do pergaminho estava danificado e a escrita nele tinha de certa forma desbotado, mas a maior parte tinha sido preservada por ter sido colocado entre duas peças de seda quando foi enrolado para armazenamento. O rei de Franja disse: “Essa é a carta que meu ancestral, César, recebeu de seu profeta, que me foi transmitida como herança. Nosso ancestral deixou um testamento que seus descendentes deviam manter essa herança se desejassem governar o reino de forma duradoura. Com isso estamos fortemente protegidos desde que respeitemos a carta e a mantenhamos oculta. Assim o reino chegou até nós.” [13]
O quanto é exatamente válida a reivindicação de que o reino de Heráclito (que tinha sido oficialmente o César do império romano inteiro) tinha sido passado para ele é questionável, uma vez que o império bizantino continuava a existir no leste e continuaria a existir por mais 150 anos. Entretanto, Heráclito pode ter enviado a carta para Roma, como mencionado antes, e a carta pode ter sido mantida lá e passada adiante para a linha visigoda dos imperadores quando Charlemagne foi coroado imperador em Roma, pelo Papa Léo III em 800 EC.
Não podemos dizer categoricamente que a carta de fato sobreviveu aos séculos, embora essas histórias apontem para essa possibilidade. Uma das cartas do profeta continua a existir em seu pergaminho original no museu Topkapi.
Conclusão
Muitos podem pensar que Heráclito secretamente se tornou muçulmano, porque procurou descobrir se a reivindicação profética de Muhammad era verdadeira pela consideração de seu histórico, motivações e efeitos sobre seu povo; seu caráter, realizações e mensagem. A julgar por sua resposta para Abu Sufyan e o convite para seus pilares de sociedade em Homs, parece que foi convencido de que Muhammad era genuíno. Talvez seu coração estivesse inclinado na direção do monoteísmo expresso por Muhammad em sua carta e certamente tentou seguir seu conselho de evitar o pecado de desorientar aqueles que governava. Seus súditos, entretanto, se mostraram tão fortes em sua rejeição que ele capitulou à pressão deles, incapaz de se submeter a sua nova fé porque temeu a rebelião do povo. Por essa razão, assim como o tio do profeta, Abu Talib, que acreditava que Muhammad era um profeta e o protegeu durante sua vida madura até sua morte, mas não se submeteu ao Islã devido à vergonha de seus pares, Heráclito morreu como um descrente no Islã e no profeta de Deus.
Footnotes:
[1]O profeta Muhammad, que a misericórdia e as bênçãos de Deus estejam sobre ele.
[2]Ibn Abbas.
[3]É possível que enviou a verdadeira carta do profeta com sua solicitação para acessá-la, embora isso não esteja explícito na narração.
[4]Está registrado historicamente que em março de 630 EC ele restaurou a cruz que os nestorianos tinham removido da igreja do Santo Sepulcro, vários meses após seu encontro com Abu Sufyan. Deixou Homs logo depois disso.
[5] Fat-hal-Bari de Ibn Hajar al-Askalani.
[6] ‘Franja’ é a palavra espanhola para o(s) reino(s) costeiros da Península Ibérica. Nessa história os reis de Franja são das dinastias Jimenez e Burgúndia de Astúrias, Galícia, Leão e Castela (que se dividiu de Leon). Leão passou a existir quando o reino de Astúrias foi dividido em três em 910.
Ver (em inglês) (http://www.tacitus.nu/historical-atlas/regents/iberian/leon.htm).
[7] Por Alfonso VI 1085 EC, ou 478H.
[8] Os reis de Leão da Casa de Burgúndia.
[9] Embora o nome não seja mencionado, provavelmente foi Alfonso VII “o imperador” ou Ferdinando II de Leão e Castela.
[10] Possivelmente o rei egípcio da dinastia Mameluca, que governou o Egito de 1278-90 EC.
[11] Muito provavelmente Abu Yusuf Yaqub da dinastia Merínida, que reinou de 1259-86 EC.
[12] Mais provavelmente, Alfonso X, rei de Castela e Leão (1252-84EC). Tinha o título de Rex Romanorum (o rei de Roma – Ver (em inglês): http://www.masterliness.com/s/Rex.Romanorum.htm), para o qual foi eleito, já que sua família era uma das que podiam reivindicar descendência de Charlemagne. Ver (em inglês): (http://www.masterliness.com/a/Alfonso.X.of.Castile.htm).
[13] Alfonso VII, seu antepassado, tinha sido conhecido como “o imperador” porque tradicionalmente os reis de Leão e Astúrias, sendo descendentes do sagrado império romano visigodo, eram conhecidos como pretendentes ao império da Ibéria.
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