Dr. Moustafa Mould, ex-judeu, EUA (parte 1 de 5)

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Descrição: Depois de uma jornada espiritual de quase 40 anos, um linguista judeu de Boston encontra o Islã na África. Parte 1.

  • Por Dr. Moustafa Mould
  • Publicado em 12 Jan 2015
  • Última modificação em 11 Jan 2015
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Uma odisseia é uma jornada longa e errante.  A palavra vem de Odisseu (em latim, Ulisses) um herói do poema épico, A Odisseia.  A jornada dele para casa levou dez anos e foi carregada com muitos incidentes, desvios, perigos e aventuras.  Em retrospecto, minha estrada para o Islã - minha jornada para casa - parece uma odisseia.  Quando olho para trás em minha vida, desde minha tenra infância até finalmente fazer a shahadah[1], uma jornada de quase 40 anos, parece que existiram muitos sinais, muitos momentos decisivos, alguns significativos, alguns triviais, que estavam todos me preparando e apontando o caminho para o Islã.

Cresci em Boston.  Era uma cidade muito católica, majoritariamente irlandesa e italiana, com comunidades pequenas, mas significativas de negros, judeus, chineses, gregos, armênios e árabes cristãos e, naqueles dias especialmente, cada grupo tinha sua vizinhança.  Havia muitos restaurantes gregos e sírios e cresci amando salada grega shish kebob, lahm mishwi, quibe, folhas de uva, homus, qualquer coisa com cordeiro, etc.

Minha família era principalmente de judeus conservadores da classe trabalhadora.  Meus avós tinham fugido do antissemitismo e dos pogroms da Rússia czarista por volta de 1903.  Eles e suas famílias tinham encontrado trabalho nas oficinas de costura do bairro de vestuário, uns poucos tinham habilidades manuais e eram muito ativos em seus sindicatos.  Fui o primeiro de minha família a ter um diploma universitário.  Nossa casa não era estritamente kosher, mas jamais sonharíamos em comer porco.  Todos os feriados e jejuns eram observados e por anos fui à sinagoga todos os sábados e feriados com meu pai e meu tio.

A sinagoga a qual pertencíamos era conservadora, próxima da ortodoxa, mas modernista: era muito tradicional, mas as mulheres não eram totalmente segregadas.  Comecei a "Madrasah" (escola hebraica) com a idade de seis anos.  Era 1948, que viu o nascimento do estado de Israel e a propaganda sionista enchia a atmosfera, assim como as conversas e sermões sobre os nazistas e campos de concentração, e havia muitos sobreviventes, refugiados e imigrantes recentes.

Naquela época ainda havia muito antissemitismo nos EUA, especialmente no sul e no meio-oeste, mas também em Boston.  Os gregos, sírios e italianos eram ótimos, mas os irlandeses eram um grande problema que remontava à geração dos meus pais na Segunda Guerra e os anos 1920.  Durante minha infância frequentemente cuspiam em mim, era perseguido, insultado e espancado.  Até me seguraram no chão e abaixaram minhas calças - além da humilhação, queriam ver como era uma circuncisão.

Meus professores de hebraico eram dois irmãos israelenses que eram ortodoxos e veteranos da guerra de 1948.  Deles aprendi o hebraico moderno e absorvi muito da ideologia sionista, junto com os ensinamentos religiosos.  Tornei-me mais religioso e um ávido sionista.  Acreditava que os judeus precisavam de seu próprio país no caso de outro Hitler - aquelas crianças irlandesas não estavam fazendo nada para aplacar meus temores e não me sentia "em casa" na América.  Decidi que partiria e passaria minha vida em um kibutz (fazenda comunitária).

Meu pai era músico e cantor (líder de oração).  Tinha uma bela voz de tenor, preferia as melodias mais tradicionais, preferivelmente orientais e recitava as orações com muito huzn (tristeza) (quando aprendi essa palavra recentemente comecei a me perguntar se era relacionada como a palavra hebraica hazan = "recitador").  Em nossa sinagoga o recitador do Torá usava um tajwid que soava muito oriental e eu adorava ouvir.  Acredite ou não, recentemente ouvi um amigo recitando do Alcorão e soou quase idêntico.

Uma coisa que se destaca claramente em minha memória, mesmo agora durante o salat, é que nas orações judaicas existem referências regulares à prostração (sujud).  De fato, é um costume em sinagogas mais ortodoxas que durante o Yom Kippur, o dia de jejum mais sagrado e o equivalente à "Ashura", o recitador, em nome da congregação, faça de fato o sujud, durante a recitação.  Esse não é um feito menor e meu pai, com sua voz poderosa, o fazia extremamente bem.  Lembro-me de pensar na época que seria realmente ótimo se todos de fato nos prostrássemos, ao invés de apenas nos curvarmos como um sujud simbólico.

Por volta dos oito ou nove anos, descobri por acaso uma estação de rádio que transmitia programas das comunidades étnicas locais.  Comecei a ouvir os programas ídiches, gregos e armênios e especialmente à Hora Árabe.  Apaixonei-me pela música e pelo som do idioma.  Usando o hebraico que sabia, tentei entender as notícias e identificar as correspondências de sons. Notei as diferenças entre o hamzah e ‘ayn, kh e h, k e q, distinções que o hebraico moderno perdeu.  Isso melhorou muito minha fala em hebraico e recebi prêmios na aula de hebraico.  Também me lembro de ajudar meus amigos a trapacear durante os testes de pronúncia repetindo palavras em um sotaque "árabe".

No segundo grau tinha descoberto a biblioteca pública de Boston e sua seção de registros: além da clássica, descobri a música regional étnica do mundo todo, mas gravitei especialmente para a do Oriente Médio: árabe, turca, persa e então indo-paquistanesa.  Aprendi a identificar vários estilos, instrumentos e ritmos regionais.  O que mais amava era o alaúde. Aprendi sozinho a tocar o dumbeg e acompanhava as gravações.  Uma vez um grupo de judeus do Iêmen veio a Boston de Israel para tocar canções e danças folclóricas.  Fiquei fascinado pela aparência, costumes e música deles.  Até pronunciavam o hebraico como eu durante o teste de pronúncia.

Menciono todas essas coisas pequenas porque existe um componente cultural inegável ao Islã: a língua, as melodias do adhan e do Alcorão, interações sociais e outras características que são realmente muito exóticas e estranhas para o ocidental mediano, incluindo os judeus ocidentalizados, mas que, quando as encontrei pela primeira vez anos depois em um contexto diferente, já eram muito familiares e agradáveis para mim, até chegar ao ponto de nostalgia, e que tornou mais fácil para mim aceitar e seguir o Islã.  Mais sobre isso depois.

Meu melhor amigo no segundo grau também foi uma influência forte sobre mim.  Lia muito sobre filosofia, poesia e literatura religiosa.  Não me importava muito com as duas primeiras, mas de fato lia alguns escritos religiosos, hindus, budistas, taoístas - e o Alcorão.  Notei que suas histórias eram muito semelhantes às histórias da Bíblia, mas sentia que eram anti-judaicas.  Fiquei muito impressionado, entretanto, pela sua descrição de Jesus como um profeta, não apenas um rabino.  Aceitei e isso se tornou minha resposta para meus colegas de turma católicos, quando perguntavam qual era minha crença em relação a Jesus.  Não pareciam muito descontentes com isso.



Notas de rodapé:

[1]Shahadah, o testemunho islâmico de fé, ou seja, "testemunho que não há divindade exceto Deus e que Muhammad é o mensageiro de Deus."

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