Uma Introdução ao Alcorão (parte 1 de 2): Organização e Significados
Descrição: O Alcorão e os elementos básicos de sua organização, a diferença entre o Alcorão e sua tradução, e uma breve análise das traduções em inglês, introduzindo o tema da exegese corânica.
- Por IslamReligion.com
- Publicado em 04 Jan 2009
- Última modificação em 06 Sep 2009
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O Alcorão é a escritura islâmica, o que significa dizer que é a escritura dos seguidores do Islã. O Islã é a religião estabelecida entre os árabes – um povo até então confinado à Península Arábica – pelo Profeta Muhammad no século sete. O Alcorão foi revelado ao Profeta Muhammad por Deus através do anjo Gabriel; isso ocorreu em Meca, sua cidade natal, e parcialmente em Medina, onde ele teve sucesso em criar um estado em uma sociedade tribal sem estado. A mensagem foi revelada em árabe, a língua do povo para a qual era inicialmente dirigida, embora a mensagem fosse essencialmente para toda a humanidade. O Alcorão menciona especificamente que Muhammad foi o mensageiro para toda a humanidade, e que ele é o último mensageiro a ser enviado. Portanto, o Alcorão é a mensagem final que substitui e reitera a religião básica de Deus ordenada aos judeus e cristãos, assim como também aos muçulmanos. Hoje, o número total de muçulmanos no mundo é superior a um bilhão, representando quase um quinto da população do mundo. Para todas as comunidades muçulmanas, qualquer que seja sua língua e onde quer que vivam, o Alcorão é sua escritura.
O Básico
A primeira coisa a ser compreendida sobre o Alcorão é sua forma. A palavra árabe, ‘Alcorão,’ literalmente significa ‘recitação’ e ‘leitura’. Da mesma forma, o Alcorão foi recitado oralmente e registrado em forma de livro. O verdadeiro poder do Alcorão permanece em sua recitação oral, já que é feito para ser lido em voz alta e melodiosa, mas os versículos foram registrados por escrito nos materiais disponíveis para auxiliar na memorização e preservação, e foram coletados e ordenados em forma de livro por iniciativa particular e, em um estágio posterior, também institucionalmente. O Alcorão não foi destinado a contar uma estória cronológica e, portanto, o Alcorão não deve ser visto como uma narrativa seqüencial como o livro de Gênesis. O livro árabe que atende pelo nome de Alcorão é quase tão longo quanto o Novo Testamento. Na maioria das edições tem em torno de 600 páginas.
Em contraste com a Bíblia hebraica e o Novo Testamento, o Alcorão saiu da boca de uma única pessoa, que recitou o que ouviu do anjo Gabriel. Por outro lado, as escrituras judaica e cristã são coletâneas de muitos livros que foram registrados por um grande número de seres humanos, e as opiniões diferem quanto ao seu status como revelação.
Como o Alcorão é Organizado?
O Alcorão é composto de 114 partes ou capítulos de extensão desigual. Cada capítulo é chamado uma surah em árabe e cada sentença ou frase do Alcorão é chamado uma ayah, literalmente ‘um sinal.’ Como a Bíblia, o Alcorão é dividido em unidades separadas, chamadas versículos. Esses versículos não são padronizados em extensão ou métrica, e onde cada um começa e termina não foi decidido por seres humanos, mas ditado por Deus. Cada um é um ato separado de locução de significado fechado, ou ‘sinal’, denotado pela palavra ayah em árabe. A mais curta das suratas tem dez palavras, e a mais longa surata, que vem em seguida no texto, tem 6.100 palavras. A primeira surata, a Fatihah (“A Abertura”), é relativamente curta (vinte e cinco palavras). Da segunda surata em diante, as suratas diminuem gradualmente em extensão, embora essa não seja uma regra fixa. As últimas sessenta suratas usam quase tanto espaço quanto a segunda. Algumas das ayahs mais longas são muito mais longas que as suratas mais curtas. Todas as suratas, exceto uma, começam com Bimillah hir-Rahman nir-Rahim, ‘Em Nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.’ Cada surata tem um nome que usualmente menciona um tema chave dentro dela. Por exemplo, a surata mais longa, a surata al-Baqara, ou “A Vaca” recebeu esse nome por causa da estória de Moisés ordenando os judeus a oferecerem o sacrifício de uma vaca, que começa com Deus dizendo:
“E lembrai-vos de quando Moisés disse a seu povo: ‘Deus vos ordena que imolais uma vaca...’” (Alcorão 2:67)
Uma vez que os vários capítulos são de extensão variada, o Alcorão foi dividido pelos eruditos do primeiro século após a morte do Profeta em trinta partes relativamente iguais, e cada parte é chamada um juz’ em árabe. Essa divisão do Alcorão foi feita para as pessoas memorizarem ou lerem o Alcorão de uma forma mais organizada, e não tem influência sobre a estrutura original, já que são meras marcas nas laterais das páginas identificando a parte em questão. No mês islâmico de jejum, o Ramadã, geralmente é recitado um juz’ toda noite, e o Alcorão inteiro é completado nos trinta dias do mês.
Traduções do Alcorão
Um iniciante deve saber alguns pontos sobre as traduções do Alcorão.
Primeiro, existe uma distinção entre o Alcorão e sua tradução. Na visão cristão, a Bíblia é a Bíblia, não importa em que idioma esteja. Mas uma tradução do Alcorão não é a palavra de Deus, porque o Alcorão são as palavras exatas em árabe faladas por Deus, reveladas ao Profeta Muhammad por Gabriel. A palavra de Deus é apenas o Alcorão em árabe, como Deus diz:
“De fato, Nós o revelamos como um Alcorão árabe.” (Alcorão 12:2)
Uma tradução é simplesmente uma explicação dos significados do Alcorão. É por isso que uma tradução moderna em inglês foi intitulada “The Meaning of the Glorious Quran (O Significado do Glorioso Alcorão)”: ela se empenha apenas em dar o significado, mas falha, como qualquer tradução, na reprodução da forma do Livro Sagrado. O texto traduzido perde a qualidade inimitável do original, portanto fique atento até que ponto uma tradução reflete a mensagem original a cada nível do significado, e que provavelmente não se equiparará. Por essa razão, tudo que é considerado como ‘recitação’ do Alcorão tem que ser feito em árabe, como a recitação do Alcorão nas cinco orações diárias dos muçulmanos.
Segundo, não existe tradução perfeita do Alcorão e, sendo trabalhos de humanos, cada uma delas quase sempre contém erros. Algumas traduções são melhores em sua qualidade lingüística, enquanto outras são notadas por sua exatidão em retratar o significado. Muitas traduções inexatas, e algumas vezes enganadoras, que geralmente não são aceitas como interpretações confiáveis do Alcorão pela maioria dos muçulmanos, são vendidas no mercado.
Terceiro, embora uma análise de todas as traduções em inglês esteja fora do escopo desse artigo, algumas traduções são recomendadas em relação a outras. A tradução em inglês mais lida é a de Abdullah Yusuf ‘Ali, seguida pela de Muhammad Marmaduke Pickthall, a primeira tradução feita por um muçulmano inglês. A tradução de Yusuf Ali é geralmente aceitável, mas seus comentários de pé de página, úteis às vezes, podem ser estranhos e inaceitáveis. Outra tradução bem divulgada é a feita pelo Dr. Hilali e Muhsin Khan chamada ‘Interpretation of the Meaning of The Noble Quran (Interpretação do Significado do Nobre Alcorão).’ Embora seja a mais precisa, os muitos termos transliterados em árabe e os parênteses sem fim a tornam difícil de acompanhar e confusa para um iniciante. Uma versão mais nova com um texto mais fluido foi publicada pela Saheeh International, e é provavelmente a melhor tradução, já que combina exatidão na tradução com legibilidade.
Exegese (Tafseer em Árabe)
Embora os significados do Alcorão sejam fáceis e claros de compreender, deve-se tomar cuidado ao fazer afirmações sobre a religião sem recorrer a um comentário autêntico. O Profeta Muhammad além de trazer o Alcorão, também o explicou a seus companheiros, e esses ditos foram coletados e preservados até o dia de hoje. Deus diz:
“E fizemos descer para ti (Ó Muhammad) a mensagem a fim de tornares evidente para os homens o que foi enviado a eles...” (Alcorão 16:44)
De modo a compreender alguns dos significados mais profundos do Alcorão, deve-se recorrer a comentários que mencionam essas afirmações do Profeta assim como as de seus companheiros, e não ao que se entendeu do texto, já que seu entendimento do Alcorão é limitado ao seu conhecimento prévio.
Existe uma metodologia específica para exegese do Alcorão de modo a extrair o significado adequado. As ciências corânicas, como elas são chamadas, são um ramo extremamente especializado da erudição islâmica que requer o domínio de múltiplas disciplinas, como exegese, recitação, estilo de escrita, inimitabilidade, circunstâncias por trás da revelação, ab-rogação, gramática corânica, termos raros, normas religiosas, e língua e literatura árabe. De acordo com os eruditos de exegese corânica, o método adequado de explicar os versículos do Alcorão é:
(i) Tafseer do Alcorão pelo Alcorão.
(ii) Tafseer do Alcorão pela Sunna do Profeta.
(iii) Tafseer do Alcorão pelos Companheiros.
(iv) Tafseer do Alcorão pela língua árabe.
(v) Tafseer do Alcorão pela ‘opinião’, se ela não contradisser as quatro fontes acima.
Uma Introdução ao Alcorão (parte 2 de 2): Sua Inimitabilidade e Idioma
Descrição: A beleza inimitável do Alcorão e a adoração islâmica por ele, o idioma do Alcorão e seu impacto histórico na civilização islâmica.
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- Publicado em 04 Jan 2009
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Milhões e milhões de muçulmanos estão absolutamente convencidos da grandeza e importância do Alcorão, que é usualmente mencionado com epítetos como “nobre,” “glorioso,” e “puro.” O que comove tão profundamente o muçulmano quando ele recita o Alcorão, lê seus versículos ou mal o toca?
De acordo com a doutrina islâmica, o estilo do Alcorão é inimitável e de uma beleza e poder sobre-humanos. Por mais que tente, nenhum homem pode escrever um parágrafo que seja comparável com um versículo do Livro revelado. Isso tem a ver parcialmente com o mérito literário do texto e a eficácia das palavras – seu poder transformador e salvador – que é inimitável. Ele leva um pastor iletrado às lágrimas quando lhe é recitado, e tem moldado as vidas de milhões de pessoas simples no curso de quase quatorze séculos; nutriu alguns dos mais poderosos intelectos conhecidos nos registros humanos; tem transformado pessoas sofisticadas em crentes devotos, e foi a fonte da filosofia mais sutil e de uma arte que expressa seu significado mais profundo em termos visuais; transformou as tribos andarilhas da humanidade em comunidades e civilizações sobre as quais sua marca é aparente até para o observador mais descompromissado.
Recitar o Alcorão é a ocupação mais sublime e edificante para o muçulmano, mesmo quando ele ou ela não entende intelectualmente suas palavras, como é o caso com a maioria dos crentes não-árabes. O desejo dos muçulmanos de recitar o Alcorão tão belamente quanto possível, e a arte de tilāwat, a recitação feita de forma adequada, se desenvolveu em uma arte de alto nível. Mesmo ao recitar o Livro sem embelezamentos, deve-se observar certas regras de recitação. O hafiz, que “preserva” o Alcorão, ou seja, o sabe de cor, é muito respeitado, e meninos e meninas são enviados com tenra idade para a mesquita para memorizar o ‘Livro.’
De modo a não corromper o caráter sagrado do Alcorão, deve-se ter o cuidado de não deixá-lo em um local onde alguém possa acidentalmente pisar, sentar ou desrespeitá-lo de qualquer forma; é extremamente desagradável usar qualquer livro, quanto mais o Alcorão, como apoio para qualquer coisa. Quando não estiver sendo lido, o muçulmano o restituirá à prateleira da estante, ou ao atril. Algumas pessoas o envolvem cuidadosamente em tecido para preservá-lo e também para serem capazes de segurá-lo, se necessário, quando não estiverem em estado de pureza. Elas também gostam de se assegurar de que ele não seja colocado em cima de outros livros, e evitam deixar o Alcorão em qualquer lugar. É absolutamente proibido levá-lo em locais onde se urina ou defeca ou que seja um lugar de impureza maior (banheiros, lixeiras, cercados para animais, esgotos, etc.). Até mesmo a recitação do Alcorão não é feita nesses lugares.
Idioma do Alcorão
A visão corânica do mundo está muito atrelada ao idioma árabe, que, como o hebraico e o aramaico (o idioma falado por Jesus), pertence ao ramo semítico. O Alcorão se define especificamente como uma ‘escritura árabe’, e a mensagem é moldada para a estrutura complexa do idioma escolhido, uma estrutura fundamentalmente diferente daquela dos idiomas europeus. A lógica interna dos idiomas semitas é muito diferente daquela das línguas indo-européias como o inglês, latim, sânscrito e persa. Cada palavra árabe pode ser rastreada até uma raiz verbal consistindo de três, quatro ou cinco consoantes das quais se derivam até doze modos verbais diferentes, junto com uma variedade de substantivos e adjetivos. Se chama a raiz triliteral, e palavras específicas são formadas a partir dela pela inserção de vogais longas ou curtas e pela adição de sufixos e prefixos. A raiz em si é ‘morta’ – impronunciável – até ser trazida à vida, ou ser vocalizada, pelas vogais, e é de acordo com a sua colocação que o significado básico se desenvolve em direções variadas. A raiz foi descrita algumas vezes como o ‘corpo’ enquanto a vocalização é a ‘alma’; ou, é da raiz que cresce uma grande árvore. Sem compreender os significados e os conceitos relacionados das palavras árabes, é impossível apreciar a riqueza dos significados associados, a dificuldade de traduzir palavras em inglês, e a inter-relação entre palavras árabes que são óbvias no original.
A preocupação dos muçulmanos com o idioma sublime do Alcorão se desenvolveu em forma do estudo de gramática e retórica, especialmente quando os não-árabes entraram no Islã em números crescentes e tinham que ser ensinados sobre as peculiaridades do idioma de revelação. A crença de que o Livro era intraduzível forçou aqueles que abraçaram o Islã a aprender o árabe ou pelo menos se familiarizarem com o alfabeto árabe. Muitas vezes isso levou nações a adotarem o árabe como suas línguas nativas, como é o caso com todas as nações árabes exceto a Península Árabe. Isso teve imensas conseqüências para outros idiomas, como o persa, turco, malaio e muitos outros, que adotaram a escrita árabe. Os ditos e expressões corânicos são usados tanto em literatura de alto nível quanto nas conversas diárias, mesmo entre não-árabes, e árabes não-muçulmanos.
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