O Papel da Colonização no Sistema Político do Mundo Muçulmano
Descrição: Quando se olha para a situação atual, é impossível não notar que o mundo muçulmano está conturbado pela agitação e violência. Este artigo discutirá como a colonização e a interferência ocidental desempenharam o papel principal na formação dessa situação.
- Por IslamReligion
- Publicado em 01 Nov 2010
- Última modificação em 02 Aug 2015
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O Alcorão e a Sunnah foram os guias do ativismo moral e político muçulmano através dos séculos. O exemplo de como o Profeta Muhammad e seus companheiros levaram suas vidas e desenvolveram a primeira comunidade muçulmana serve como um projeto para um estado e sociedade socialmente justos e guiados islamicamente.
Mais que um profeta, o Profeta Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, foi o fundador de um estado. Na época do Profeta Muhammad e seus sucessores, todos os muçulmanos pertenciam a uma única comunidade cuja unidade era baseada na interconexão de religião e estado, em que fé e política eram inseparáveis. O Islã se expandiu de onde hoje é a Arábia Saudita através do norte da África e Oriente Médio e até a Ásia e Europa. Historicamente o Islã foi a ideologia religiosa para a fundação de vários estados muçulmanos, incluindo os grandes impérios islâmicos: Omíada (661-750), Abássida (750-1258), Otomano (1281-1924), Safávida (1501-1722 e Mugal (1526-1857). Em cada um desses impérios e outros sultanatos o Islã era a base das instituições legais, políticas, educacionais, econômicas e sociais do estado.
Por volta do século 11 o mundo islâmico estava sob ataque dos turcos e mongóis. Eles não foram conquistados pelo Islã; ao invés disso, entraram no mundo islâmico como conquistadores e se converteram ao Islã ao longo dos séculos que se seguiram.
Durante os dois últimos séculos o mundo islâmico passou por outra transformação vinda do Ocidente. Os europeus que chegaram nos séculos 19 e 20 para colonizar militarmente o mundo muçulmano não se converteram como os turcos e mongóis. Pela primeira vez os muçulmanos estavam politicamente subjugados pelos impérios europeus da Rússia, Holanda, Grã-Bretanha e França.
O século 20 foi marcado por dois temas dominantes: colonialismo europeu e a luta muçulmana pela independência. O legado do colonialismo permanece vivo hoje. O colonialismo alterou o mapa geográfico do mundo muçulmano. Traçou os limites e nomeou líderes para os países muçulmanos. Depois da Segunda Guerra, os franceses estavam no oeste e norte da África, no Líbano e Síria; os ingleses na Palestina, Iraque, Golfo Árabe, subcontinente indiano, Malásia e Brunei; e os holandeses na Indonésia. A colonização substituiu as instituições educacionais, legais e econômicas e desafiou a fé islâmica. Oficiais das forças colonialistas e missionários cristãos se tornaram os soldados da expansão e imperialismo europeu. O Cristianismo era visto pelos colonialistas como inerentemente superior ao Islã e sua cultura. Essa atitude pode ser vista na declaração de Lorde Cromer, o conselheiro britânico no Cairo de 1883-1907: “... como um sistema social, o Islã tem sido um fracasso total. O Islã mantém as mulheres em uma posição de inferioridade... permite a escravidão... sua tendência geral é a intolerância em relação a outras crenças...”
O colonialismo europeu substituiu o autogoverno islâmico sob a Lei Islâmica, que era implementada desde o tempo do Profeta Muhammad, por seus lordes europeus. Os colonialistas eram cruzados modernos – guerreiros cristãos se empenhando para erradicar o Islã. Os franceses falavam de sua batalha da cruz contra o crescente. A única diferença era que os europeus vieram, dessa vez, não com a cavalaria e espadas, mas com um exército de missionários cristãos e instituições missionárias como escolas, hospitais e igrejas, muitas das quais permanecem nos países islâmicos até o dia de hoje. Os franceses tomaram a Mesquita Jami da Argélia e a transformaram na catedral de São Felipe com a bandeira francesa e uma cruz sobre o minarete, simbolizando a dominação cristã[1].
Os séculos da longa batalha do mundo muçulmano com o governo colonial ocidental foram seguidos por regimes autoritários instalados pelos poderes europeus. A ausência de estados estáveis levou muitos a se perguntarem se existe algo sobre o Islã que é antitético à sociedade civil e ao estado de direito. A resposta a essa pergunta reside mais na história e na política do que na religião. Os estados islâmicos modernos têm apenas algumas décadas e foram estabelecidos por poderes europeus para servirem aos interesses do Ocidente.
No sul da Ásia os ingleses dividiram o subcontinente indiano em Índia e Paquistão, dando partes do estado majoritariamente muçulmano da Caxemira a cada um deles. Os conflitos que resultaram dessas ações levaram à morte de milhões na guerra comunal entre hindus e muçulmanos, na guerra civil entre o leste e oeste do Paquistão que levou à criação de Bangladesh e nos conflitos na Caxemira sob governo indiano que persistem até o dia de hoje. No Oriente Médio os franceses criaram o Líbano moderno com partes da Síria, e os ingleses estabeleceram as fronteiras para o Iraque e Kuait e criaram uma nova entidade chamada Jordânia. Também criaram um novo país chamado Israel, expulsando os residentes não judeus e tomando terras que antes pertenciam a cristãos e muçulmanos e entregando-as a uma autoridade judaica estrangeira. Essas fronteiras arbitrárias alimentaram conflitos étnicos, regionais e religiosos incluindo a Guerra Civil libanesa entre cristãos e muçulmanos, a ocupação do Líbano pela Síria, a Guerra do Golfo, que resultou da reivindicação do território kuaitiano por Saddam Hussein, e o conflito israelo-palestino que não precisa de mais explicação.
Modelos políticos e econômicos foram emprestados do Ocidente para substituir os sistemas político e econômico islâmico depois da independência dos governos coloniais em meados do século 20, criando cidades superlotadas sem sistemas de suporte social, alto nível de desemprego, corrupção do governo e uma distância crescente entre ricos e pobres. Ao invés de levar a uma melhor qualidade de vida, a ocidentalização levou ao rompimento dos valores tradicionais familiares, religiosos e sociais. Muitos muçulmanos culpam os modelos ocidentais de desenvolvimento político e econômico como as fontes do declínio moral e desconforto espiritual.
Governos não eleitos, cujos líderes são reis, militares ou ex-militares, governam a maioria dos países no mundo muçulmano. O poder do estado se apóia pesadamente em forças de segurança, na polícia e no exército, e liberdade de reunião, expressão e imprensa são severamente limitados. Muitos estados muçulmanos operam dentro de uma cultura de autoritarismo que se opõe à sociedade civil e liberdade de imprensa.
Além de influenciar aqueles que chegam ao poder nos modernos estados-nação muçulmanos, a Europa e depois a América forjaram alianças com regimes autoritários, tolerando ou apoiando suas maneiras não democráticas em troca de, ou para assegurar, o acesso do Ocidente ao petróleo e outros recursos.
Quando as pessoas se perguntam por que o mundo muçulmano está conturbado pela agitação e violência, a resposta pode certamente ser encontrada na interferência colonial, tanto do passado quanto do presente, na região. Consequentemente, qualquer sucesso futuro depende de retornar para uma sociedade que é governada pelos princípios das pessoas que nela vivem, em que todos os seus assuntos são governados pelo Islã.
Footnotes:
[1] Algumas das primeiras políticas imperialistas dos poderes coloniais continham agendas não somente econômicas, mas também religiosas e culturais. Os franceses, por exemplo, procurou substituir a cultura islâmica pela sua própria ao impor, entre outras medidas, controles sobre os tribunais islâmicos e supressão de muitas instituições islâmicas. Depois de transformar a Grande Mesquita da Argélia na Catedral de São Filipe, por exemplo, o arcebispo da Argélia anunciou um plano missionário para “salvar” os muçulmanos dos “vícios de sua religião original que gera preguiça, divórcio, poligamia, roubo, comunismo agrário, fanatismo e até canibalismo.” Azim A. Nanji, ed., The Muslim Almanac (Detroit: Gale Research, Inc., 1996), p. 123; Arthur Goldschmidt Jr., A Concise History of the Middle East, 3a. ed. (Boulder, Colo.:Westview Press, 1988), p. 231; John L. Esposito, The Islamic Threat: Myth or Reality?, 3a. ed. (Nova Iorque: Oxford University Press, 1999), p. 50; Fawaz A. Gerges, America and Political Islam: Clash of Cultures or Clash of Interests? (Cambridge: Cambridge University Press, 1999).
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