Charles Le Gai Eaton, Ex-Diplomata Britânico (parte 6 de 6)
Descrição: A busca pela verdade de um filósofo e escritor, enfrentada com uma batalha interna constante para harmonizar crença e ação. Parte 6: Uma semente dá frutos.
- Por Gai Eaton
- Publicado em 22 Apr 2013
- Última modificação em 22 Apr 2013
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Precisava de um refúgio. Tinha me apaixonado pela Jamaica, se é que é possível apaixonar-se por um lugar, e odiava o Egito simplesmente porque não era a Jamaica. Onde estavam minhas montanhas azuis, meu mar tropical, minhas belas garotas das Índias Ocidentais?Como podia ter deixado o único local em que me senti em casa? Mas isso não era tudo, longe disso; tinha deixado não apenas um lugar, mas também uma pessoa, uma jovem mulher sem a qual a vida parecia agora vazia e sem valor. Aprendi então o que a palavra “obsessão” realmente significa: uma lição dolorosa, mas útil para aqueles que tentam compreender a si mesmo e os outros. Nada em minha vida prévia tinha qualquer valor; a realidade era minha necessidade pela única pessoa que ocupava meus pensamentos de manhã à noite e entrava nos meus sonhos. Quando, no curso dos meus deveres, li poesia romântica para meus alunos, lágrimas escorreram por minhas bochechas e eles disseram uns para os outros: “Aqui está um inglês com coração. Pensávamos que todos os ingleses fossem frios como gelo!”
Esses alunos, particularmente um grupo pequeno de cinco ou seis alunos mais velhos, também eram um refúgio. Podia odiar o Egito por estar a quase 13.000 quilômetros de onde queria estar, mas amava esses jovens egípcios. Alegrava-me com sua cordialidade, franqueza e a verdade que colocavam em mim para ensiná-los o que precisavam saber e logo comecei a amar sua fé, porque esses jovens eram bons muçulmanos. Não tinha mais dúvidas. Se algum dia achasse possível comprometer-me com uma religião - aprisionar-me em uma religião - só podia ser o Islã. Mas ainda não! Pensei na súplica de Santo Agostinho: “Senhor, faça-me casto, mas não agora”, sabendo que através das épocas outros homens jovens, achando que tinham um oceano de tempo à sua frente, haviam orado por castidade ou virtude ou um modo de vida melhor, mas com a mesma reserva, e muitos haviam sido levados pela morte nesse mesmo estado.
Se tudo continuasse na mesma, eu poderia nunca ter superado minhas hesitações. Com a intenção de no fim aceitar o Islã, podia ter adiado o ato decisivo ano após ano e continuar dizendo “Ainda não!” quando a velhice chegasse. Mas as coisas não continuaram na mesma. A saudade da Jamaica e por aquela pessoa cresceram, ao invés de diminuírem à medida que os meses passaram, como se alimentando de si mesmas. Acordei uma manhã para a percepção de que apenas a falta de dinheiro me impedia de voltar para a ilha. Perguntei e descobri que se viajasse no deck de um navio a vapor, podia fazer a viagem por 70 libras. Tinha certeza de que podia economizar essa quantia até o fim do semestre universitário e minha vida foi transformada de uma só vez. Sabendo que a saída estava próxima, pude até começar a desfrutar do Cairo. Mas uma questão demandava agora uma resposta firme e a resposta não podia mais ser adiada. A oportunidade de entrar no Islã podia nunca chegar novamente. Diante de mim estava uma porta aberta. Pensei que se não passasse por ela, a porta poderia se fechar para sempre. Ainda assim sabia que tipo de vida estaria vivendo na Jamaica e duvidava se teria a força de caráter para viver como muçulmano naquele ambiente.
Tomei uma decisão que devia, com boa razão, parecer chocante para a maioria das pessoas e não apenas para meus companheiros muçulmanos. Decidi - como coloquei para mim mesmo - “plantar a semente” em meu coração, aceitar o Islã de uma vez na esperança de que a semente um dia germinasse e crescesse uma planta saudável. Não daria desculpas para isso, não responsabilizaria ninguém de acusar-me de falta de sinceridade e falsa intenção. Mas é possível que estivessem subestimando a disposição de Deus para perdoar a fraqueza humana e Seu poder para produzir plantas e frutos de uma semente plantada em solo estéril. Em qualquer caso, estava sob um tipo de compulsão e sabia o que tinha que fazer. Fui para Martin Lings, contei minha história e pedi a ele para fazer minha Shahada, em outras palavras, para aceitar meu testemunho de fé. Embora hesitante a princípio, ele o fez. Cheio de medo e, ao mesmo tempo, feliz, orei pela primeira vez em minha vida. No dia seguinte, porque era Ramadã, jejuei, algo que nunca pude me imaginar fazendo. Logo depois contei a notícia aos meus alunos mais velhos e a satisfação deles foi como um abraço caloroso. Achava antes que era próximo deles, mas agora entendi que sempre tinha havido uma barreira entre nós. Agora a barreira foi derrubada e fui aceito como seu irmão. Nas seis semanas que faltavam antes de minha partida secreta (não havia contado ao chefe do departamento que estava partindo), um deles veio todos os dias para me ensinar o Alcorão. Olhei para meu reflexo no espelho. O rosto era o mesmo, mas ocultava uma pessoa diferente. Era um muçulmano! Ainda em estado de admiração embarquei no navio em Alexandria e naveguei para um futuro incerto.
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