Charles Le Gai Eaton, Ex-Diplomata Britânico (parte 4 de 6)
Descrição: A busca pela verdade de um filósofo e escritor, enfrentada com uma batalha interna constante para harmonizar crença e ação. Parte 4: T. S. Eliot e o primeiro livro de Gai.
- Por Gai Eaton
- Publicado em 15 Apr 2013
- Última modificação em 15 Apr 2013
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Quando deixei o exército comecei a escrever porque precisava expressar meus pensamentos, como forma de ordená-los. Escrevi sobre Vedanta, Taoísmo e Zen Budismo, mas também sobre certos escritores ocidentais (incluindo Leo Myers) que tinham sido influenciados por essas doutrinas. Através de um encontro por acaso com o poeta T.S. Eliot, que era na época diretor de uma editora, esses ensaios foram publicados sob o título “The Richest Vein” (“A Veia Mais Rica”, em tradução livre), uma citação tirada de Thoreau:“Meu instinto me diz que minha cabeça é um órgão para escavação, assim como algumas criaturas usam seus focinhos ou patas dianteiras, e com ela eu escavarei meu caminho através dessas montanhas. Acho que a veia mais rica está em algum lugar por aqui...” Mas agora eu tinha um novo guia através das montanhas. Tinha descoberto Rene Guenon, um francês que havia morado a maior parte de sua vida no Cairo como sheik Abdul Wahid.
Guenon minou e então, como um rigor intelectual inflexível, demoliu todas as suposições tidas como certas pelo homem moderno, no caso aqui o homem ocidental ou ocidentalizado. Muitos outros tinham criticado a direção adotada pela civilização europeia desde a chamada “Renascença”, mas ninguém tinha ousado ser tão radical como ele foi ou a reafirmar com tamanha força os princípios e valores que a cultura ocidental tinha sepultado no lixo da história. Seu tema era a “tradição primordial” ou Sofia perennis, expressa – assim ele afirmou – tanto nas mitologias antigas quanto na doutrina metafísica na raiz das grandes religiões. A língua dessa tradição era a linguagem do simbolismo e ele não tinha iguais em sua interpretação desse simbolismo. Além disso, virou a ideia do progresso humano de cabeça para baixo, substituindo-a pela crença quase universal anterior à idade moderna de que a humanidade declina em excelência espiritual com a passagem do tempo e que estamos agora na Idade das Trevas, que precede o Fim. Uma era na qual todas as possibilidades rejeitadas pelas culturas anteriores foram jogadas no mundo, com a quantidade substituindo a qualidade e a decadência se aproximando de seu limite final. Ninguém que o lesse e entendesse poderia continuar o mesmo.
Como outros cujos pontos de vista foram transformados pela leitura de Guenon, eu era agora um estranho no mundo do século vinte. Ele tinha sido levado pela lógica de suas convicções a aceitar o Islã, a Revelação final e a culminação de tudo que veio antes. Não estava pronto para isso ainda, mas logo aprendi a ocultar minhas opiniões ou a, pelo menos, velá-las. Ninguém pode viver feliz em desacordo constante com seus semelhantes, nem pode engajar em argumentação com eles se não compartilha de suas suposições básicas e não ditas. Argumento e discussão pressupõem algo em comum compartilhado pelos envolvidos. Quando não existe ponto em comum, a confusão e os maus entendidos, e até a raiva, são inevitáveis. As crenças que são a base da cultura contemporânea são mantidas de forma não menos passional do que a crença religiosa inquestionável, como foi ilustrado durante o conflito sobre o romance de Rushdie, “Os Versos Satânicos”.
Ocasionalmente esqueço-me de minha determinação de não me envolver em argumentos infrutíferos. Alguns anos atrás fui convidado para um jantar diplomático em Trinidad. A jovem mulher ao meu lado estava falando com um ministro cristão, um inglês, sentado do lado oposto. Estava participando parcialmente da conversa quando a ouvi dizer que não tinha certeza se acreditava no progresso humano. O ministro a respondeu de forma tão rude e com tal desprezo que não pude resistir a tentação de dizer: “Ela está certa - não existe essa coisa chamada progresso!” Ele voltou-se para mim com seu rosto contorcido de fúria e disse:“Se eu achasse isso cometeria suicídio essa noite mesmo!” Como o suicídio é um grande pecado para os cristãos, assim como o é para os muçulmanos, entendi pela primeira vez a extensão do quanto a fé no progresso, em um “futuro melhor” e, por implicação, na possibilidade de um paraíso na terra, substituiu a fé em Deus e na vida futura. Nos escritos do pastor renegado Teilhard de Chardin, o Cristianismo em si foi reduzido a uma religião de progresso. Prive o ocidental moderno dessa fé e ele está perdido em um deserto sem placas de sinalização.
Quando “The Richest Vein” foi publicado tinha deixado a Inglaterra para ir para a Jamaica, aonde um colega de escola iria me encontrar trabalho de algum tipo. Fui descrito na capa do livro como “um pensador maduro”. O adjetivo “maduro” era singularmente inadequado: como homem e também como personalidade, mal tinha emergido da adolescência e a Jamaica era um lugar ideal para exercitar as fantasias adolescentes. Aqueles com alguma experiência da vida nas Índias Ocidentais nos anos pós-guerra podem entender as delícias e tentações que oferecia aos que buscavam “experiência” e aventuras sexuais. Como Myers, não tinha limites morais que pudessem ter me refreado. Fiquei embaraçado quando comecei a receber cartas de pessoas que tinham lido meu livro e imaginavam que eu era um homem idoso – “com uma longa barba branca”, como uma delas me escreveu – cheio de sabedoria e compaixão. Queria poder tirar a ilusão delas o mais rápido possível e me livrar da responsabilidade que estavam colocando sobre mim. Um dia um padre católico chegou à ilha para ficar com amigos; ele tinha, disse a eles, acabado de ler um “livro fascinante” de alguém chamado Gai Eaton. Ficou atônito em ouvir que o autor estava na Jamaica e perguntou como poderia me encontrar. Seus amigos o levaram a uma festa na qual lhe disseram que eu poderia ser encontrado. Ele foi apresentado e, ao ver diante dele um homem jovem e tolo, olhou-me longa e duramente. Então balançou a cabeça com incredulidade e disse em voz baixa: “Você não pode ter escrito aquele livro!”
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