Direitos de estrangeiros em países islâmicos (parte 1 de 2)
Descrição: Essa série de artigos em duas partes discute os direitos de não-muçulmanos vivendo em países islâmicos. Parte 1 discute a misericórdia que o Islã demonstra com toda a criação e sobre a santidade das vidas e propriedades dos não-muçulmanos.
- Por Sami al-Majid (editado porIslamReligion.com)
- Publicado em 12 Jun 2017
- Última modificação em 25 May 2020
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Esse artigo foi apresentado originalmente no seminário Religious Minorities: Circumstances and Practices (Minorias religiosas: circunstâncias e práticas) com o título: "Direitos de estrangeiros em países islâmicos".
Dividi o artigo em duas partes:
1. O princípio de que as vidas e as propriedades de não-muçulmanos são sagrados
2. Os direitos de estrangeiros em países islâmicos
Antes de prosseguir para o primeiro tópico, é necessário enfatizar que Deus honrou a raça humana e abençoou os humanos acima de outras criaturas. Deus diz no Alcorão: "Enobrecemos os filhos de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com todo o bem, e preferimos enormemente sobre a maior parte de tudo quanto criamos." [Alcorão 17:70]
O profeta Muhammad colocou esse princípio em prática. Quando as pessoas perguntaram a ele por que se levantou para a procissão do funeral de um judeu, ele respondeu: "Ele não tem uma alma?"
Deus exortou as pessoas, por sua vez, a mostrarem compaixão e gentileza umas com as outras. Deus diz no Alcorão: "Espalhem a bondade e façam o bem, porque Deus ama os benfeitores." [Alcorão 2:195] Esse versículo é um mandamento geral para tratar bem a todas as pessoas.
Também temos o que o Alcorão diz: "Deus ordena a justiça e o tratamento justo." [Alcorão 16:90]
O Alcorão exorta as crianças a serem gentis e terem boa conduta com seus pais, mesmo que esses pais sejam politeístas que se empenhem para que seus filhos aceitem o politeísmo. Entretanto, esses filhos devem continuar a mostrar amor e gentileza aos seus pais, porque cuidaram deles quando eram pequenos.
A Sunnah[1] do profeta está cheia de exemplos de demonstrações de gentileza a todas as pessoas e até mesmo aos animais. Até quando abatemos os animais para alimento, deve ser tomado todo o cuidado para fazer isso da forma mais indolor possível. O Profeta disse: "Se abater um animal, faça-o bem. Assegure-se de que sua lâmina está afiada e alivie o sofrimento do animal."
A lei islâmica enfatiza os valores de misericórdia e compaixão e não aceita a violência, como vemos grupos extremistas sectários fazendo esses dias.
Deus diz no Alcorão: "Nós te enviamos [Ó Muhammad] como uma misericórdia para todos os mundos." (Alcorão 21:107)
O Profeta Muhammad disse: "Tenha misericórdia com aqueles na terra e Aquele Que está nos céus terá misericórdia contigo." Ele também disse: "Aqueles que não têm misericórdia não receberão misericórdia." e "Os misericordiosos recebem misericórdia do Deus misericordioso."
Ele também disse: "A gentileza embeleza tudo que toca e sua ausência remove a beleza das coisas."
O profeta confirmou que a caridade é para todos que precisam dela, quando disse: "Existe uma recompensa para a caridade dada a qualquer criatura com um coração vivo."
Confirmou que nenhuma desculpa deve nos impedir de fazer trabalhos benéficos aos outros, quando disse: "Se a última hora chegar enquanto estiver prestes a plantar um broto, termine de plantar, se puder."
A lei islâmica ensina o tratamento humano dos animais e proíbe categoricamente abusar deles. Até impede os donos de gado de separar as crias de suas mães. Devemos então considerar o quanto os seres humanos são merecedores de misericórdia e gentileza.
O companheiro do profeta, Abdullah ibn Masud, faz o seguinte relato:
Estávamos com o mensageiro de Deus em uma viagem. Ele se afastou por um tempo. Enquanto estava afastado vimos um pássaro com dois filhotes, que pegamos. O pássaro começou a bater as asas. O profeta voltou e disse: "Quem perturbou esse pássaro levando seus filhotes? Devolva os filhotes a ela."
Em outra ocasião o profeta Muhammad viu um formigueiro que tinha sido queimado. Ele disse: "Quem o queimou?" Quando as pessoas admitiram o que tinham feito, o profeta disse: "Ninguém, exceto Deus, deve punir com o fogo."
Esses e muitos outros relatos como esse demonstram o princípio de que um muçulmano deve mostrar justiça, gentileza e misericórdia a todas as pessoas.
Isso nos leva ao primeiro tópico da discussão:
1- O princípio de que as vidas e as propriedades de não-muçulmanos são sagrados
Infelizmente, muitas pessoas no mundo hoje não acreditariam se ouvissem que as vidas e as propriedades de não-muçulmanos são sagrados no Islã. Existem razões para essa incredulidade. A razão mais clara é que as pessoas confundem totalmente o conceito islâmico de dissociação com descrença. Existem os que entendem esse princípio como significando que as vidas dos descrentes não são protegidas, mesmo que esses descrentes não tenham perpetrado qualquer injustiça ou violência contra os muçulmanos. Outros o confundem como significando que essa descrença é razão suficiente para desvalorizar as vidas e propriedades de não-muçulmanos. Então existem os que pensam que significa que quando uma desgraça recai sobre um não-muçulmano, os muçulmanos devem considerar isso como uma ocasião para alegria. Tudo isso está errado.
Portanto, é importante enfatizar o princípio geral na lei islâmica de que as vidas de todas as pessoas, muçulmanas ou não, são sagradas e invioláveis. Isso está indicado claramente pelos textos sagrados do Islã e precisa ser mostrado às pessoas que aqueles que tentam argumentar de maneira diferente estão deliberadamente interpretando as escrituras de forma errada e pegando coisas fora de contexto.
Por exemplo, o Alcorão diz:
"Combatei, pela causa de Deus, aqueles que vos combatem; porém, não pratiqueis agressão, porque Deus não estima os agressores." [Alcorão 2:190]
Esse versículo é prova clara de que é proibido matar não-muçulmanos que não estão combatendo ativamente os muçulmanos em batalha.
De fato, o Islã nos exorta a manter as pessoas vivas e a salvar as vidas das pessoas sempre que surgir a chance. Deus diz no Alcorão: "Por isso, prescrevemos aos israelitas que quem matar uma pessoa, sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado a corrupção na terra, será considerado como se tivesse assassinado toda a humanidade. E quem salvar uma vida, será como se tivesse salvado toda a humanidade. [Alcorão 5: 32)]
Mesmo no campo de batalha no meio da guerra, o Islã não permite matar pessoas indiscriminadamente. Existem muitas restrições. Entre as pessoas que não podem ser mortas estão monges, o clero, os idosos, mulheres, crianças e quaisquer outros não-combatentes.
Nafi ibn Umar relata que o profeta Muhammad viu uma mulher entre aqueles mortos no campo de batalha, condenou o ato e proibiu a morte de mulheres e crianças.[2]
Durante uma batalha o Profeta viu pessoas reunidas. Ele despachou um homem para descobrir por que tinham se reunido. O homem retornou e disse: "Estão reunidos ao redor de uma mulher assassinada." O Profeta disse: "Ela não devia ter sido atacada!"[3]
A santidade da propriedade dos não-muçulmanos segue a santidade de suas vidas. Se suas vidas são invioláveis, suas propriedades são invioláveis também. Não podem ser confiscadas e nem destruídas. Não podem ser desapropriadas por meio de fraude ou engodo. A riqueza de todos os não-muçulmanos é inviolável, exceto a daqueles ativamente engajados em guerra contra os muçulmanos.
Quando o profeta Muhammad disse: "Quem cometer fraude não é um dos nossos", estava falando de maneira geral sobre todo ato de fraude, independente de se a vítima é muçulmana ou não.
Aqueles que tentam interpretar o Alcorão e a Sunnah para argumentar que o Islã permite transgressão contra as vidas e a riqueza dos não-muçulmanos, citam passagens do Alcorão e da Sunnah seletivamente, fora de contexto. Apresentam textos com relevância específica como se fossem gerais, quando o contexto mostra claramente ser o contrário.
Direitos de estrangeiros em países islâmicos (parte 2 de 2)
Descrição: Essa série de artigos em duas partes discute os direitos de não-muçulmanos vivendo em países islâmicos. Parte 2 define quem são as “pessoas sob uma aliança” e lista os direitos desses não-muçulmanos.
- Por Sami al-Majid (editado por IslamReligion.com)
- Publicado em 12 Jun 2017
- Última modificação em 11 Jun 2017
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2- Os direitos de estrangeiros em países islâmicos
Nesse contexto a palavra "estrangeiro" deve ser compreendida como um termo legal moderno. Refere-se àqueles que residem em um país que não o de sua nacionalidade legal. Para abordar essa questão, explicarei o termo legal islâmico de "pessoas sob uma aliança" e mostrarei que isso se aplica a não-muçulmanos que entram em um país muçulmano como embaixadores, trabalhadores, homens de negócio, turistas e visitantes.
Na lei islâmica as pessoas sob uma aliança são definidas como: os súditos de um país não-muçulmano que entram em um país muçulmano dentro do contexto de um tratado ou acordo internacional, que implica paz ou interesse mútuo.
Em outras palavras, qualquer um que tem permissão para entrar em um país muçulmano recai sob as normas legais de alguém que está sob uma aliança, independente do propósito para fazê-lo. Essa norma implica no que se segue:
1. Se um país muçulmano admite estrangeiros em seus limites, esse país é responsável por protegê-los e garantir sua segurança. Deve proibir qualquer um de feri-los ou transgredir contra suas pessoas ou bens. Quem transgredir está violando a lei e merece as punições criminais elaboradas nos textos legais para aquele crime e o estado está obrigado a executar a punição contra o perpetrador.
Independente da razão pela qual a pessoa entrou no país, o assassinato de uma pessoa sob uma aliança é um pecado grave no Islã. É suficiente o profeta Muhammad ter dito: "Quem matar alguém com quem temos uma aliança não sentirá a fragrância do paraíso, embora sua fragrância possa ser detectada a partir de uma distância de uma jornada de quarenta anos." [1]
Deve ser enfatizado que no evento de uma pessoa sob uma aliança cometer um crime, não está ao cargo das pessoas, mas do estado, puni-la. O estado tem jurisdição exclusiva para julgar o criminoso por meio dos procedimentos adequados do sistema judicial. A culpa deve ser estabelecida em um tribunal e a sentença deve ocorrer em conformidade com a lei.
É um crime transgredir contra as pessoas sob uma aliança, seja essa transgressão um assassinato, assalto, roubo ou calúnia. O Profeta disse: "Deus negará o paraíso a qualquer pessoa que mata alguém com quem temos uma aliança e não sentirá sua fragrância." [2]
Ele também disse: "Não é permitido receber os bens daqueles com quem temos uma aliança, exceto por meio de uma transação lícita." [3]
2. Os residentes estrangeiros de um país muçulmano têm o direito de praticar sua própria religião e ensinar sua fé aos filhos, com a condição de que não façam proselitismo aos muçulmanos ou tentem propagar sua fé na sociedade muçulmana.
3. Desde que aqueles sob a aliança obedeçam a lei, não podem ser desrespeitados ou insultados em público de forma alguma, por causa de sua religião. Não podem ser difamados.
4. Têm o direito de viajar, de se reunirem, de utilizarem todos os serviços públicos e de residirem onde desejarem. As únicas exceções ao direito de residência são os precintos sagrados dentro das cidades de Meca e Medina. Podem se associar com quem quiserem e têm direitos iguais a todas as amenidades públicas como água, parques públicos, transporte público e o mercado.
5. O Islã permite que residentes estrangeiros permaneçam com suas crenças religiosas desde que não façam suas práticas religiosas ostensivamente chamativas para a população muçulmana ou façam proselitismo. Não podem ser compelidos a aceitar o Islã. Têm o direito de aprender sua religião e ensiná-la às pessoas da mesma religião. Têm permissão para estabelecer escolas religiosas para que possam ensinar seus filhos.
6. Têm o direito à propriedade, a terem rendimentos e a se engajarem no comércio no país muçulmano. Entretanto não podem vender algo que seja ilícito no Islã, mesmo que seja permitido em sua própria fé. Têm permissão de dispor de todos os recursos públicos, como lenha, pastagem e caça, de acordo com as leis da terra.
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