Uma perspectiva filosófica sobre a singularidade do Alcorão
Descrição: Uma perspectiva filosófica sobre o que torna o Alcorão único e inimitável em termos da língua árabe.
- Por Hamza Andreas Tzortzis (hamzatzortzis.com)
- Publicado em 04 Dec 2017
- Última modificação em 04 Dec 2017
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William Shakespeare, que foi um poeta e dramaturgo inglês largamente considerado como o maior escritor na língua inglesa, geralmente é usado como exemplo de literatura única. O argumento apresentado é que se Shakespeare expressava sua poesia e prosa de uma maneira única - e ele é um ser humano - então certamente não importa o quão único o Alcorão seja, também deve vir de um ser humano.
Entretanto, existem alguns problemas com o argumento acima. Não leva em consideração a natureza da singularidade do Alcorão e não entende a singularidade de um gênio literário como Shakespeare. Embora Shakespeare compusesse poesia e prosa que receberam uma recepção estética sem paralelos, a forma literária na qual ele expressava suas obras não era única. Em muitos exemplos Shakespeare usou o pentâmetro iâmbico (o pentâmetro iâmbico é um tipo de métrica em poesia. Refere-se a uma linha que consiste de cinco pés iâmbicos. A palavra "pentâmetro" significa simplesmente que existem cinco pés na linha.) Entretanto, no caso do Alcorão, sua linguagem está em uma forma literária inteiramente desconhecida e incomparável. As características estruturais do discurso corânico o fazem único e não a apreciação subjetiva de sua composição literária e linguística.
Com isso em mente existem duas abordagens que podem mostrar que existem razões maiores para acreditar que o Alcorão é um texto milagroso que vem do divino. A primeira abordagem é a dedução racional e a segunda é a filosofia de milagres.
Dedução racional
A dedução racional é o processo de pensamento no qual são tiradas conclusões lógicas a partir de uma afirmação aceita universalmente ou de premissas comprováveis. Esse processo também é chamado de inferência racional ou de dedução lógica.
No contexto da singularidade do Alcorão, a afirmação aceita universalmente e apoiada pela erudição oriental e ocidental é:
"O Alcorão não foi imitado de maneira bem-sucedida pelos árabes na época da revelação".
A partir dessa afirmação podemos tirar as seguintes conclusões lógicas:
1. O Alcorão não pode ter vindo de um árabe já que os árabes, na época da revelação, eram linguistas por excelência e não conseguiram desafiar o Alcorão. Tinham até admitido que o Alcorão não podia ter vindo de um ser humano.
2. O Alcorão não pode ter vindo de um não-árabe, já que a língua do Alcorão é o árabe e o conhecimento da língua árabe é um pré-requisito para desafiar com sucesso o Alcorão.
3. O Alcorão não pode ter vindo do profeta Muhammad devido às seguintes razões:
a. O profeta Muhammad era um árabe e nenhum árabe conseguiu desafiar o Alcorão.
b. Os linguistas árabes na época da revelação nunca acusaram o profeta de ser o autor do Alcorão.
c. O profeta Muhammad passou por muitas tribulações durante o curso de sua missão profética. Seus filhos morreram, sua amada esposa Khadija morreu, ele foi boicotado, seus companheiros próximos foram torturados e mortos e, ainda assim, o caráter literário do Alcorão permanece como o da voz e caráter divinos. Nada no Alcorão expressa a turbulência e as emoções do profeta Muhammad. É quase uma impossibilidade psicológica e fisiológica passar pelo que o profeta passou e, ainda assim, nenhuma das emoções serem expressadas no caráter literário do Alcorão.
d. O Alcorão é uma obra-prima literária conhecida, mas seus versículos foram muitas vezes revelados para circunstâncias específicas e eventos que ocorreram. Entretanto, sem revisão ou deleção são obras-primas literárias. Todas as obras-primas literárias passaram por revisão e deleção para assegurar perfeição literária, mas o Alcorão foi revelado instantaneamente.
e. Os hadiths ou narrações do profeta Muhammad estão em um estilo totalmente diferente daquele do Alcorão. Como qualquer ser humano se expressar oralmente em um período de mais de 23 anos (período de revelação corânica) em dois estilos distintos? Essa é uma impossibilidade psicológica e fisiológica de acordo com pesquisa moderna.
f. Todos os tipos de expressão humana podem ser imitados se existir o modelo daquela expressão. Por exemplo, obras de arte podem ser imitadas, mesmo que algumas artes sejam consideradas extraordinárias ou surpreendentemente únicas. Mas no caso do Alcorão nós temos o modelo - o próprio Alcorão - e ainda assim ninguém foi capaz de imitar sua forma literária singular.
4. O Alcorão não pode ter vindo de outro ser como um Jinn ou espírito porque a base de sua existência é o Alcorão e a revelação em si. Sua existência é baseada na revelação e não uma evidência empírica. Portanto, se alguém alega que a fonte do Alcorão pode ser outro ser, então devem ter que provar sua existência e, nesse caso, prova a revelação. No caso de usar o Alcorão como a revelação para estabelecer a existência dos Jinns, isso significaria que todo o exercício de dedução racional não seria necessário, porque o Alcorão já teria sido estabelecido como um texto divino, já que a crença na existência dos Jinns significaria crença no Alcorão, em primeiro lugar.
5. O Alcorão só pode ter vindo do Divino, já que é a única explicação lógica uma vez que todas as outras explicações foram descartadas por não explicarem a singularidade do Alcorão de maneira abrangente e coerente.
Filosofia de milagres
A palavra milagre deriva da palavra latina "miraculum", que significa "algo maravilhoso". Um milagre é comumente definido como uma violação de uma lei natural (lex naturalis); entretanto, essa é uma definição incoerente. Essa incoerência se deve ao nosso entendimento de leis naturais, como o filósofo Bilynskyj observa: "... enquanto as leias naturais forem concebidas como generalizações indutivas universais, a noção de violação de uma lei natural é incoerente."
Leis naturais são generalizações indutivas de padrões que observamos no universo. Se a definição de um milagre é uma violação de uma lei natural, em outras palavras, uma violação de padrões que observamos no universo, então ocorre um problema conceitual óbvio. O problema é: por que não podemos tomar essa violação percebida de padrão, como parte do padrão? Portanto, a descrição mais coerente de um milagre não é uma "violação", mas uma "impossibilidade". O filósofo William Lane Craig rejeita a definição de um milagre como uma "violação de uma lei natural" e a substitui com a definição coerente de "eventos que estão fora da capacidade produtiva da natureza". O que isso significa é que milagres são atos de impossibilidades referentes a conexões causais ou lógicas.
O Alcorão milagroso
O que faz do Alcorão um milagre é que ele está fora da capacidade produtiva da natureza da língua árabe. A capacidade produtiva da natureza, no que concerne a língua árabe, é que qualquer expressão gramaticalmente correta da língua árabe sempre ficará dentro das formas literárias árabes conhecidas de prosa e poesia.
O Alcorão é um milagre porque sua forma literária não pode ser explicada por meio da capacidade produtiva da língua árabe, porque todas as combinações possíveis das palavras, letras e regras gramaticais árabes foram exauridas e a forma literária do Alcorão não foi imitada. Os árabes que eram conhecidos como linguistas por excelência, não conseguiram desafiar o Alcorão com sucesso. Forster Fitzgerald Arbuthnot, um orientalista e tradutor britânico notável, afirma:
"... e embora várias tentativas tenham sido feitas para produzir um trabalho igual a ele, no que tange à escrita elegante, ninguém até o momento teve sucesso."[1]
A implicação disso é que não há elo entre o Alcorão e a língua árabe; entretanto, isso parece impossível porque o Alcorão é composto na língua árabe! Por outro lado, todas as combinações de palavras e letras árabes foram usadas para tentar e imitar o Alcorão. Portanto, só é possível concluir que uma explicação sobrenatural é a única coerente para essa forma literária árabe impossível - o Alcorão.
Quando olhamos para a natureza produtiva da língua árabe para encontrar uma resposta para a forma literária singular do Alcorão, não encontramos elo entre ela e o texto divino, fazendo dela uma impossibilidade que requer uma explicação sobrenatural. Então, se logicamente o Alcorão é um evento literário fora da capacidade produtiva da língua árabe ele é, por definição, um milagre.
Notas de rodapé:
[1] F. F. Arbuthnot. 1885. The Construction of the Bible and the Koran. Londres: p 5.
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