A psicologia do autocontrole no Islã (parte 1 de 2): Escolhas e desafios
Descrição: Livre arbítrio, autocontrole e o caminho para o sucesso.
- Por Aisha Stacey (© 2017 IslamReligion.com)
- Publicado em 11 Sep 2017
- Última modificação em 11 Sep 2017
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Geralmente começo artigos ou ensaios sobre o Islã lembrando os leitores que o Islã é um estilo de vida. Sim, é uma religião, mas não uma que pode ser colocada de lado apenas para ser usada no final de semana e exibida em um centro de adoração. O Islã permeia tudo que um crente faz. Influencia seu comportamento consciente e inconscientemente. Para aqueles que olham para o Islã de fora, pode parecer uma religião muito rígida, já que é um exercício contínuo de autocontrole e uma batalha diária contra a tentação, mas a realidade é que o Islã não é rígido. Para compreender isso melhor, o conceito de livre arbítrio no Islã deve ser explicado.
O Dictionary.com define livre arbítrio como uma escolha livre e independente. O dicionário britânico vai além e diz que livre arbítrio é a habilidade humana aparente de fazer escolhas que não são determinadas externamente. O livre arbítrio é nossa habilidade de escolher a maneira com a qual respondemos aos estímulos externos. Podemos escolher agir de maneira virtuosa ou errada. Em outras palavras, somos responsáveis por nossas próprias ações.
Deus criou os seres humanos com livre arbítrio. Temos a habilidade de escolher entre acreditar e não acreditar, entre obedecer e desobedecer A Deus e, assim, temos a habilidade de escolher entre recompensa e punição.
Todos os dias enfrentamos escolhas e desafios e todo crente sabe que essa vida é cheia de testes. Esses testes são designados por Deus não para tropeçarmos, como alguns sugerem, mas para nos dar mais chances de escolher a coisa certa. Podemos escolher usar nossas vozes para louvar a Deus ou para xingar e mentir; podemos escolher caminhar até uma mesquita ou centro islâmico ou para locais de vício. Não há nada para impedir as pessoas de fazerem a escolha errada, exceto uma pequena coisa chamada autocontrole.
O autocontrole é algo que infelizmente anda em falta no mundo desenvolvido. Muitos psicólogos e pesquisadores estão começando a sugerir que anda em falta porque temos nos concentrado no desenvolvimento da qualidade da autoestima, ao invés do autocontrole. Temos nos convencido e aos nossos filhos que a autoconfiança é a chave para o sucesso. De acordo com Jean Twenge, um psicólogo entre muitos com a mesma ideia, autoconfiança não é a chave para o sucesso. Ela diz: "O que se tornou predominante nas duas últimas décadas é a ideia de que ser muito autoconfiante - amar a si mesmo, acreditar em si mesmo - é a chave para o sucesso. A coisa interessante sobre essa crença é que é amplamente mantida e também não é verdadeira." [1] O Professor Roy Baumeister da Florida State University, que tem estudado o tópico da autoestima versus autocontrole por muitos anos, acredita que a autoestima não leva ao sucesso. "Autocontrole é muito mais poderoso e melhor apoiado como causa de sucesso pessoal", diz ele.
Autocontrole é uma qualidade incorporada na religião do Islã e certamente não é uma coincidência. Não é óbvio que a característica do autocontrole seja algo que Deus queira que nos empenhemos? Enfrentamos escolhas e tentações em todas as direções. É-nos pedido que abaixemos nosso olhar, controlemos nossa raiva e consideremos nossas palavras antes de falar. O mês de jejum do Ramadã é um exercício de autocontrole. Abstemo-nos de alimentos e líquidos da alvorada ao por do sol. Podemos estar com fome e sede, mas exercemos autocontrole para agradar a Deus e construir nossa resiliência. Seguir nossos próprios desejos não é algo que o Islã encoraje.
"... que só seguem as suas luxúrias. Haverá alguém mais desencaminhado do que quem segue sua concupiscência, sem orientação alguma de Deus?" (Alcorão 28:50)
O Islã nos pede para seguir um caminho para o sucesso e ele define sucesso como agradar a Deus e ser recompensado com uma vida abençoada no Paraíso. Se não exercermos autocontrole será muito, muito difícil alcançar o sucesso eterno. O Islã não nos pede para viver uma vida miserável à espera de uma bênção eterna, mas nos pede para adiar a gratificação imediata que às vezes deriva de cedermos à tentação, em favor de uma recompensa maior depois.
"Ao contrário, quem tiver temido o comparecimento ante o seu Senhor e se tiver refreado em relação à luxúria, Terá o Paraíso por abrigo." (Alcorão 79:40-41)
Em torno de 50 anos atrás um psicólogo na Universidade de Stanford nos EUA conduziu uma série de experimentos na gratificação adiada de crianças. Esse experimento veio a ser conhecido como experimento Marshmallow e foi algo assim. Um grupo de crianças com idade entre 4 e 6 anos recebiam um marshmallow. Diziam a cada criança que podia comer o marshmallow assim que o responsável pelo experimento saísse, ou seja, imediatamente, ou podiam esperar até que ele retornasse em aproximadamente 15 minutos, quando então teriam dois marshmallows.
Mais tarde, quando as crianças foram revisitadas como adolescentes, constatou-se que aquelas que adiaram a gratificação tiraram notas mais altas nas provas. Foram descritas pelos pais como tendo habilidade de planejar, lidar com o estresse e de se concentrarem sem se distraírem, e exibiram autocontrole em situações difíceis. Quando foram revisitados novamente na faixa dos 40 anos, as crianças que não foram capazes de adiar a gratificação no teste do marshmallow se saíram mal em tarefas que exigiam autocontrole.
O marshmallow - experimentos de gratificação adiada continuam e mesmo em 2014 a pesquisa e experimentos são publicados e adicionados ao corpo do trabalho. Nós, os psicólogos e psicólogos amadores do mundo, temos aprendido muito sobre a força de vontade e autocontrole. Autocontrole, de acordo com o Professor Roy Baumeister, significa a habilidade de adiar a gratificação, mas não é tudo. Também implica em resistir às tentações de curto prazo para alcançar objetivos de longo prazo e a habilidade de empregar um sistema cognitivo de comportamento "frio", ao invés de um sistema emocional "quente". O autocontrole, diz o Professor Baumeister, é sinônimo de autorregulamentação e autorregulamentação significa mudar respostas baseadas em alguma norma, valor ou ideal.[2] Para os muçulmanos esse valor ou ideal é o estilo de vida conhecido como Islã.
No próximo artigo continuaremos a discussão examinando os conceitos de comportamento quente e frio na autorregulamentação e no Islã e a ideia de autocontrole, como um músculo se cansa.
A psicologia do autocontrole no Islã (parte 2 de 2): A abordagem cognitiva fria
Descrição: Como o Islã ensina o autocontrole e nos direciona para o sucesso.
- Por Aisha Stacey (© 2017 IslamReligion.com)
- Publicado em 11 Sep 2017
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O profeta Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, tinha muito a dizer sobre a raiva. Seus pensamentos e recomendações ressoam perfeitamente com a discussão de resistir às tentações de curto prazo para alcançar os objetivos de longo prazo com os quais concluímos a parte 1. Em muitos de seus ditos e tradições o profeta Muhammad nos conta para usarmos o autocontrole e respondermos à fonte de nossa raiva com uma abordagem cognitiva fria, ao invés de uma resposta emocional quente. A resposta quente ou emocional geralmente é aquela a qual recorremos mais facilmente e a que geralmente leva a um resultado menos desejável. Cada vez mais estudos modernos sugerem que se deve oferecer maneiras de esfriar suas respostas às pessoas que consistentemente têm uma resposta quente. Examinemos alguns dos hadiths a partir da perspectiva do autocontrole.
·"A pessoa forte não é a que tem força física, mas a que controla sua raiva." [1] O profeta Muhammad está nos dizendo que uma pessoa precisa ser forte para ter autocontrole quando está zangada e que o autocontrole é obviamente uma qualidade desejável para um crente.
·"Se algum de vocês se zangar e estiver de pé, deve se sentar até que a raiva passe. Se não passar, então deve se deitar." [2] Quando uma pessoa é tomada pela raiva é difícil manter a cabeça fria e dar uma resposta equilibrada. Entretanto, o ato de se sentar, adiando a resposta, permite que a pessoa esfrie e pense claramente. Se sentar não for suficiente, então nos é dito para deitarmos. Metaforicamente jogando água sobre a resposta quente.
·"Quando algum de vocês ficar zangado, faça a ablução porque a raiva vem do fogo." [3] Realizar a ablução literalmente, ao invés de metaforicamente, joga água em uma resposta quente e desequilibrada.
O autocontrole pode ser descrito como o que as pessoas usam para restringir seus impulsos e desejos. É a capacidade de substituir uma resposta por outra. O mundo da psicologia do século 21 vê isso como sendo uma característica muito desejável e que deve ser cultivada e exercitada por aqueles que querem ser bem-sucedidos. Em mais de um estudo o autocontrole foi comparado a um músculo.[4] Engajar-se em atos de autocontrole retira energia de um recurso limitado e, uma vez que esteja esgotado, existe menos energia a ser usada para a autorregulamentação. Isso é o mesmo que um músculo que requer força e energia para exercer força e, após algum tempo, se cansa. Entretanto, parece que quanto mais se exercita o autocontrole, mais fácil se torna.
As pessoas começam renovadas, mas ao longo do dia sua força de vontade começa a diminuir. Fazer muitas escolhas e autorregulamentação as deixa cansadas. Os pesquisadores observaram que o autocontrole tende a reduzir mais tarde ao longo do dia, especialmente em dias com muita demanda ou estressantes. A maioria das dietas é quebrada à noite, transgressões sexuais e recaídas em comportamentos ligados a vícios ocorrem no final de dias longos e estressantes. Estudos têm demonstrado que as pessoas estão mais dispostas a enganar e roubar quando sua reserva de força de vontade está esgotada.[5]
O Islã tem mantido por muito tempo a opinião de que as pessoas precisam de mais lembretes à medida que o dia passa. Se olharmos para a oração como um lembrete, podemos ver que serve esse propósito porque as pessoas se cansam durante o curso do dia. Começamos o dia com Fajr, a oração da manhã e então temos um bloco grande de tempo no qual fazemos o trabalho produtivo. Quaisquer escolhas morais ou auto regulamentadoras que temos que fazer são abordadas com facilidade. Na oração do meio-dia temos tempo de ser gratos, para descansar nossos cérebros cansados e lembrar que nossas vidas são dedicadas a agradar a Deus. Mas ainda é um dia longo, estamos com fome e cansados.
Aqueles lembretes de Deus continuam vindo. Existem mais três orações obrigatórias antes de dormir. A oração, não devemos nos esquecer, é um pequeno começo, a deixamos renovados, um pouco mais próximos de Deus e determinados a ficar longe de qualquer coisa que O desagrade. Temos o antídoto para a fadiga do músculo, física e mentalmente. Quem estaria inclinado a se levantar do local de oração para enganar, mentir ou roubar?
O profeta Muhammad disse que a primeira coisa que será julgada entre os atos de uma pessoa no Dia da Ressurreição é a oração. Se estiver correta, a pessoa prosperará e se estiver defeituosa, fracassará.[6] Se a conexão de uma pessoa com Deus é mantida ao longo do dia, ela permite que lute contra todos os tipos de mal e tentações e dá a coragem para fazer boas escolhas, usando força de vontade e autocontrole.
Como qualquer bom músculo, quanto mais o usamos, mais forte ele se torna. E não só isso, desenvolvemos o que chamamos memória do músculo. São memórias de tarefas realizadas com frequência que ficam armazenadas no cérebro. Por meio da repetição você se torna extremamente bom em algo; por exemplo, o autocontrole. A evidência sugere que pessoas bem-sucedidas passam relativamente menos tempo lutando com tentações e escolhas. Pessoas bem-sucedidas são aquelas que, com a permissão e ajuda de Deus, desenvolveram um forte autocontrole. Ninguém está sugerindo que seja fácil, mas é viável e desejável.
Deus explica no Alcorão que os seres humanos têm uma fraqueza que impede seu sucesso. Essa fraqueza é a ausência de força de vontade ou a inabilidade de sustentar o sentido de propósito. Como crentes sabemos o que fazer, mas geralmente nos falta o autocontrole para nos manter na direção certa. Não construímos memória do músculo. Nosso estilo de vida, o Islã, nos dá oportunidades incontáveis e construir nossa força e maneiras incontáveis de usar nosso autocontrole. A psicologia recém-descoberta do autocontrole foi incorporada na religião do Islã por muito tempo. De fato, desde o tempo de Adão.
"Havíamos firmado o pacto com Adão, porém, te esqueceu-se dele; e não vimos nele firme resolução." (Alcorão 20:115)
"Aqueles que anelarem a outra vida e se esforçarem para obtê-la, e forem fiéis, terão os seus esforços retribuídos." (Alcorão 17:19)
Uma boa maneira de deixar nossa discussão do Islã e do autocontrole é com um dito do profeta Muhammad. É um lembrete de que até o menor esforço pode ser enorme no cômputo de Deus.
"... os atos mais amados por Deus são os feitos regularmente, mesmo que sejam poucos." [7]
Notas de rodapé:
[1]Saheeh Al-Bukhari, Saheeh Muslim
[2]Abu Dawood.
[3]Ibid
[4] Muraven, Mark; Baumeister, Roy F. (2000). "Self-regulation and depletion of limited resources: Does self-control resemble a muscle?". Psychological Bulletin 126 (2): 247–59.
Hagger, Martin S.; Wood, Chantelle; Stiff, Chris; Chatzisarantis, Nikos L. D. (2010). "Ego depletion and the strength model of self-control: A meta-analysis". Psychological Bulletin 136 (4): 495–525.
[5] Mead, N.L., Baumeister, R.F., Gino, F. et al. (2009). Too tired to tell the truth: Self-control resource depletion and dishonesty. Journal of Experimental Social Psychology, 45, 594–597.
[6]At-Tirmidhi
[7]Saheeh Al-Bukhari, Saheeh Muslim
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