Imprecisão bíblica e João 3:16 (parte 2 de 5)
Descrição: Uma análise do famoso versículo bíblico "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu único filho, para que aquele que nele crê não pereça mas tenha vida eterna.” Parte 2: Afirmações de estudiosos da Bíblia sobre a autenticidade e preservação da Bíblia.
- Por Laurence B. Brown, MD
- Publicado em 22 May 2017
- Última modificação em 22 May 2017
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Nesse artigo continuamos nossa análise da imprecisão bíblica, tomando como exemplo o versículo famoso, João 3:16: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu único filho, para que aquele que nele crê não pereça mas tenha vida eterna."
Algo que perturba muitos leitores é por que os tradutores da Bíblia usam letras maiúsculas para pronomes que se referem a Jesus Cristo. Colocar maiúsculas em "ele" e "dele" no meio de uma frase quando se refere a Jesus Cristo, mas não quando se refere a outras pessoas, baseia-se em preconceito doutrinário e não em convenção literária. Como diz o provérbio latino: Corruptio optimi pessima: O melhor, quando corrompido, torna-se o pior.
A decisão de colocar em maiúsculas "ele" e "dele" em referência a Jesus Cristo não tem base nos manuscritos fundamentais. O grego koiné, a língua a partir da qual o Novo Testamento foi predominantemente traduzido, não tem letras maiúsculas (ver New Catholic Encyclopedia. Vol 13, p. 431). Assim, os não tão originais manuscritos gregos a partir dos quais a Bíblia é traduzida, não se referem a Jesus Cristo em letras maiúsculas. Ao contrário, os tradutores da Bíblia colocaram maiúsculas em "ele" e "dele" para ficarem em conformidade com as convicções doutrinárias de "fazer Jesus parecer Deus". As maiúsculas na tradução da Bíblia são mais resultado de convicção religiosa do que de precisão escolástica, concebidas mais por conta da doutrina do que da fidelidade às narrativas bíblicas. Para um exemplo gritante, compare Mateus 21:9 com Salmos 118:26. Salmos 118:26 escreve "aquele" com minúsculas: "Bendito aquele que vem em nome do Senhor;" Entretanto, quando Mateus 21:9 cita Salmos 118:26 se referindo a Jesus como o "aquele" que "vem em nome do Senhor", os tradutores da Bíblia convenientemente convertem o "aquele" em minúsculas do Salmos 118:26 para um "Ele" em maiúsculas, em um esforço de fazer Jesus parecer divino. Caso alguém queira dar desculpas, esse não é um erro tipográfico. Mateus 23:39 duplica o exagero. Essa manipulação textual é gritante, indicando claramente que alguém desonrou o texto.
Alguns podem defender a Bíblia por essa ser uma corrupção muito pequena. Mas qualquer grupo que adota a Bíblia como um livro de orientação se vê encurralado pelo alerta bíblico de que "quem é injusto no mínimo, também é injusto no muito" (Lucas 16:11) Como, então, essa citação se aplica aos escribas e tradutores da Bíblia? Por que se sendo injustos no que é mínimo significa que são, de acordo com sua própria escritura, "também injustos no muito", como podemos confiar no resto de seu trabalho?
Um problema é que a Bíblia apresenta opiniões diferentes e as pessoas podem elaborar uma miríade de religiões em torno dela. E, de fato, é exatamente o que elas têm feito. Campos teológicos diferentes têm divergido sobre quais livros devem ser incluídos na Bíblia. Um apócrifo de um campo é escritura de outro. Mesmo entre os livros que foram canonizados, as muitas variantes dos textos fontes carecem de uniformidade. Essa falta de uniformidade é tão onipresente que The Interpreter’s Dictionary of the Bible afirma: "É seguro dizer que não há uma frase no NT na qual o MS [manuscrito] seja todo uniforme."[1]
O fato é que existem mais de 5.700 manuscritos gregos de todo ou parte do Novo Testamento.[2] Além disso, "dois desses manuscritos são exatamente iguais em todos os seus particulares... E algumas dessas diferenças são significativas."[3] Leve em conta aproximadamente dez mil manuscritos da Vulgata, acrescente muitas outras variantes antigas (ou seja, siríaca, copta, armênia, georgiana, etíope, núbia, gótica, eslava) e temos muitos manuscritos que não se correspondem em lugares críticos e que até se contradizem, às vezes. Os estudiosos estimam o número de variantes de manuscritos em centenas de milhares, alguns estimam que cheguem a 400.000.[4] Nas palavras agora famosas de Bart D. Ehrman: "Possivelmente seja mais fácil colocar a questão em termos comparativos: existem mais diferenças em nossos manuscritos do que existem palavras no Novo Testamento."[5]
Como isso aconteceu não importa aqui. O que é importante é que as inconsistências nos manuscritos fundamentais são tão prevalentes e profundas que conclusões religiosas baseadas na Bíblia só podem ser vistas pelas lentes de ceticismo saudável. Considere o fato de que nenhum dos manuscritos originais sobreviveu ao período cristão primitivo.[6] [7] Os manuscritos completos mais antigos (Vatican MS. No. 1209 e o Códice Sinaítico) datam do século quatro, trezentos anos depois do ministério de Jesus. Mas os originais se perderam. E as cópias dos originais? Também se perderam. Nossos manuscritos mais antigos, em outras palavras, são cópias das cópias das cópias de ninguém-sabe-quantas cópias dos originais.
O que é, claro, apenas uma razão para serem diferentes.
Erros de cópia não seriam surpresa nas melhores mãos. Entretanto, pela admissão dos estudiosos do Cristianismo, os manuscritos do Novo Testamento não estavam nas melhores mãos. Durante o período das origens cristãs os escribas eram destreinados, incompetentes, não eram confiáveis e, em alguns casos, eram analfabetos.[8] Aqueles com dificuldades visuais podem ter cometido erros com letras e palavras parecidas, enquanto que aqueles que tinham problemas de audição podem ter errado ao registrar a escritura, já que era lida em voz alta. Com frequência os escribas estavam sobrecarregados de trabalho e, portanto, inclinados aos erros que acompanham a fadiga.
Nas palavras de Metzger e Ehrman: "Uma vez que a maioria, se não todos, [os escribas] devem ter sido amadores na arte de copiar, um número relativamente grande de erros entrou em seus textos enquanto eles os reproduziam."[9] Pior ainda, alguns escribas permitiram que o preconceito doutrinário influenciasse sua transmissão da escritura.[10] Como Ehrman afirma: "Os escribas que copiaram os textos os modificaram."[11] Mais especificamente: "O número de alterações deliberadas feitas no interesse da doutrina é difícil de avaliar."[12] E ainda mais especificamente: "Na linguagem técnica do criticismo textual - que retenho por suas ironias significativas - esses escribas "corromperam" seus textos por razões teológicas."[13]
Os erros foram introduzidos na forma de adições, deleções, substituições e modificações, mais comumente de palavras ou linhas, mas ocasionalmente de versículos inteiros.[14] [15] De fato, "várias mudanças e acréscimos entraram no texto",[16] com o resultado de que "todas as testemunhas conhecidas do Novo Testamento são em maior ou menor medida textos misturados, e mesmo vários dos primeiros manuscritos não estão livres de erros graves."[17]
Em Misquoting Jesus, Ehrman apresenta evidência persuasiva de que a história da mulher pega em adultério (João 7:53-8:12) e os últimos doze versículos de Marcos não estão nos evangelhos originais, mas foram adicionados posteriormente por escribas.[18] Além disso, esses exemplos "representam apenas dois de milhares de lugares nos quais os manuscritos do Novo Testamento foram mudados pelos escribas."[19]
De fato, livros inteiros da Bíblia foram forjados.[20] Isso não significa que seu conteúdo esteja necessariamente errado, mas certamente também não significa que esteja correto. O que podemos dizer com certeza é que essas fraquezas fazem com que a Bíblia não seja confiável como preservação da revelação divina.
Então, quais livros foram forjados? Efésios, Colossenses, 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito, 1 e 2 Pedro e Judas - nove dos vinte e sete livros e epístolas do Novo Testamento - são suspeitos de alguma forma.[21] Muitos dos livros remanescentes têm autoria desconhecida ou anônima. Até os autores dos evangelhos são desconhecidos, por mais incrível que pareça.[22]
A lista continua e os interessados em explorar esse tópico podem fazê-lo em qualquer um dos muitos livros que focam nesse assunto, incluindo o meu.
Sobre o autor:
Laurence B. Brown, MD, é autor de vários artigos e livros e seu website oficial é www.leveltruth.com onde também pode ser contatado na página "Contato".
Notas de rodapé:
[1] Buttrick, George Arthur (Ed.). 1962 (1996 Print). The Interpreter’s Dictionary of the Bible. Volume 4. Nashville: Abingdon Press. pp. 594-595 (Under Text, NT).
[2] Ehrman, Bart D. 2005. Misquoting Jesus. HarperCollins. P. 88.
[3] Ehrman, Bart D. 2003. Lost Christianities. Oxford University Press. P. 78.
[4] Ehrman, Bart D. Misquoting Jesus. P. 89.
[5] Ehrman, Bart D. The New Testament: A Historical Introduction to the Early Christian Writings. 2004. Oxford University Press. P. 12.
[6] Ehrman, Bart D. Lost Christianities. P. 49.
[7] Metzger, Bruce M. 2005. A Textual Commentary on the Greek New Testament. Deutsche Bibelgesellschaft, D—Stuttgart. Introduction, p. 1.
[8] Ehrman, Bart D. Lost Christianities and Misquoting Jesus.
[9] Metzger, Bruce M. e Ehrman, Bart D.The Text of the New Testament: Its Transmission, Corruption, and Restoration. P. 275.
[10] Ehrman, Bart D. Lost Christianities. P. 49, 217, 219-220.
[11] Ehrman, Bart D. Lost Christianities. P. 219.
[12] Metzger, Bruce M. e Ehrman, Bart D.The Text of the New Testament: Its Transmission, Corruption, and Restoration. P. 265. Veja também Ehrman, Orthodox Corruption of Scripture.
[13] Ehrman, Bart D. 1993. Orthodox Corruption of Scripture. Oxford University Press. P. xii.
[14] Ehrman, Bart D. Lost Christianities. P. 220.
[15] Metzger, Bruce M. A Textual Commentary on the Greek New Testament. Introduction, p. 3.
[16] Metzger, Bruce M. A Textual Commentary on the Greek New Testament. Introduction, p. 10.
[17] Metzger, Bruce M. e Ehrman, Bart D.The Text of the New Testament: Its Transmission, Corruption, and Restoration. P. 343.
[18] Ehrman, Bart D. Misquoting Jesus. P. 62-69.
[19] Ehrman, Bart D. Misquoting Jesus. P. 68.
[20] Ehrman, Bart D. Lost Christianities. Pp. 9-11, 30, 235-6.
[21] Ehrman, Bart D. Lost Christianities. P. 235.
[22] Ehrman, Bart D. Lost Christianities. P. 3, 235. Veja também Ehrman, Bart D. The New Testament: A Historical Introduction to the Early Christian Writings. P. 49.
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