Escravidão (parte 2 de 2): Escravidão na Lei Islâmica com algumas observações históricas
Descrição: A escravidão é ilegal em todos os países muçulmanos. O artigo destaca as regras humanas da Sharia para lidar com os escravos quando eles existiam. São feitas referências às fontes primárias do Islã: o Alcorão e as instruções do profeta Muhammad. Também, são feitas algumas observações históricas interessantes.
- Por Imam Mufti (© 2016 IslamReligion.com)
- Publicado em 02 May 2016
- Última modificação em 25 Jun 2019
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1. Princípio islâmico: as pessoas nascem livres e a escravidão é temporária.
O Alcorão afirma:
"Nós vos criamos de um homem e de uma mulher, e vos fizemos como nações e tribos, de modo que vos conheçais uns aos outros. De fato, o mais honrado entre vós aos olhos de Deus é o mais temente." (Alcorão 49:13)
O Profeta do Islã declarou:
"Todos os seres humanos são filhos de Adão e Adão foi criado da terra."[1]
O princípio de que os seres humanos nascem livres e a escravidão é acidental é aceito por todos os sábios do Islã. Algumas consequências importantes desse princípio são:
·Não é permitida a escravidão voluntária. Uma pessoa livre não pode se tornar um escravo, mesmo que queira.
·Uma pessoa livre não pode ser escravizada. O ponto interessante é que os teólogos muçulmanos não decidiram isso, mas sim o profeta do Islã, Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, que declarou ser um pecado há 1.400 anos. Ele disse: "Existem três tipos de pessoas contra as quais testemunharei no Dia do Juízo. Dessas três, uma é a que escraviza um homem livre, o vende e consome esse dinheiro."[2]
·Uma criança não reclamada, sem pai ou mãe conhecidos, deve ser tratada como pessoa livre, mesmo que pareça ter pais escravos.
2. Um escravo tem direito a respeito e dignidade humana.
A própria palavra "escravo" tem conotações extremamente negativas de tratamento bárbaro. Compare com a forma como o profeta da Misericórdia falou sobre os escravos há 1.400 anos:
"Seus servos são seus irmãos! Deus os colocou sob seu cuidado. Aquele cujo irmão está sob seu cuidado deve alimentá-lo com o que se alimenta e vesti-lo da mesma forma que se veste. E não os sobrecarreguem além de suas capacidades, mas se os sobrecarregá-los (com uma carga insuportável) ajude-os (compartilhando de seu fardo extra)."[3]
"Quando um servo prepara a sua comida e passa pela dificuldade do calor e da fumaça, você deve fazer com que ele (o servo) se sente e coma junto com você e, se não o fizer, que separe uma parte para o servo."[4]
O profeta da Misericórdia proibiu bater nos escravos. Declarou que a expiação por bater ou esbofetear um escravo era libertá-lo[5].
Além disso, não se deve tratar o escravo com palavras ofensivas. O profeta da Misericórdia disse para não chamá-los de "meu escravo ou minha escrava." Disse: "Todos vocês são servos de Deus!" Trate-os como "Ó meu rapaz, ó minha moça!"[6]
Umar ibn al-Khattab, o segundo califa do Islã, era tão apegado a Salim, um escravo liberto, que queria nomeá-lo para ser o califa, se estivesse vivo. Salim costumava liderar os muçulmanos em oração, o que é considerado uma honra na tradição islâmica.
3. O Islã não iniciou o sistema de escravidão. Existia no Judaísmo, no Cristianismo e na Índia e na China antes do Islã.
Desde o início o Islã abriu as portas para a libertação de escravos e para, no fim, acabar com a escravidão. O paradigma islâmico não ignorou as realidades do mundo, nem o endossou. O Islã o regulou. Como a estudiosa alemã Annemarie Schimmel destacou: "...portanto, a escravidão é teoricamente condenada a desaparecer, com a expansão do Islã."[7]
A Sharia limitou seriamente os canais por meio dos quais o número de escravos podia se multiplicar. A única fonte de escravidão era cativos de guerra legítima e as crianças nascidas de pais escravos. No caso de guerra os cativos não tinham que ser escravizados. A escritura islâmica estabeleceu outras opções de lidar com eles:
·Libertação incondicional (Alcorão 47:4)
·Resgate (Alcorão 47:4)
Depois de limitar as fontes de novos escravos, a lei islâmica lidou com a realidade dos escravos existentes.
4. O Islã garantiu direitos religiosos iguais para os livres e os escravos e também na maioria das questões civis. As leis especiais eram para facilitar o trabalho deles.
Os escravos eram iguais aos homens livres em termos de obrigações religiosas e também em relação à recompensa e punição de Deus. O testemunho de um escravo era aceitável. Um escravo tinha direito a bens pessoais e à propriedade. Eram iguais em termos de pagamento de indenização pela sua morte. Deviam ser ajudados a conquistar a liberdade legalmente se assim escolhessem, por meio de um mecanismo conhecido como mukataba e tadbeer. Esse mecanismo está consagrado por Deus na escritura muçulmana em 24:33.
5. O Islã fez da libertação de escravos um ato de adoração que agrada a Deus.
Estabeleceu a libertação de escravos como expiação de pecados e para atos específicos de transgressão. Os muçulmanos eram encorajados a libertar escravos espontaneamente, para se livrarem do tormento do Inferno. O estado também era uma fonte de libertação de escravos, uma vez que a Lei Islâmica dita que o zakat - caridade obrigatória dada pelos muçulmanos ricos ao estado - devia ser gasto na libertação de escravos, entre outras coisas (Alcorão 9:60).
6. O Islã integrou os escravos na sociedade.
A questão da integração dos escravos libertos na sociedade foi discutida por alguns estudiosos contemporâneos. A solução islâmica foi integrá-los na sociedade tornando-os parte das tribos e famílias. O sistema era conhecido como "wala." O Profeta do Islã disse: "Libertar escravos é como estabelecer relações de sangue."[8]
Algumas observações históricas
1. Abul Ala Maududi escreve em seu trabalho "A Posição da Escravidão no Islã": "Só o profeta libertou 63 escravos. O número de escravos libertados por Aisha foi 67, Abbas libertou 70, ‘Abd Allah ibn ‘Umar libertou mil e ‘Abd al-Rahman comprou trinta mil e os libertou."
2. "Zaid, o liberto do profeta, era encarregado do comando de tropas e os capitães mais nobres serviram sob suas ordens sem vacilar; e seu filho Osama foi honrado com a liderança da expedição enviada por Abu Bakr contra os gregos. Kutb ud-dîn, o primeiro rei de Délhi e o verdadeiro fundador do império muçulmano na Índia, era um escravo."[9]
3. "Até escravos domésticos comuns eram mais bem alimentados, vestidos e protegidos do que muitos homens e mulheres livres."[10]
4. "Toda a história do Islã prova que os escravos podiam ocupar qualquer posição e muitos ex-escravos militares, geralmente recrutados entre os turcos da Ásia central, se tornaram líderes militares e com frequência até governantes no Irã, Índia (a dinastia escrava de Délhi) e Egito medieval (os mamelucos)."[11]
5. "...a exclusividade da relação dono-escravo que tipifica os sistemas de escravidão nunca foi parte da realidade otomana. O sistema jurídico baseado na Sharia rompeu essa exclusividade ao permitir que os escravos reclamassem de mau tratamento, o que podia levar à libertação forçada. Embora, como vimos, os tribunais fossem relutantes em intervir nas relações dono-escravo e o estado fosse cuidadoso em não forçar os donos a libertar escravos involuntariamente, havia um mecanismo de intermediação disponível o tempo todo, capaz de interferir na relação, se necessário."[12]
6. "Quanto aos escravos da Arábia Saudita, compartilhavam do mesmo alimento, roupas e casas com seus donos. Muitos deles se tornaram governantes de vastas regiões e foram ativos na administração do estado."[13]
7. "...abolição tardia da escravidão na Arábia Saudita. A escravidão foi abolida na Arábia Saudita em 1962...isso porque a Arábia Saudita não existia como estado moderno antes de 1932, o que significa que levou trinta anos após sua criação para acabar com a escravidão e sem uma guerra civil."[14]
Notas de rodapé:
[1] Abu Daud, Musnad, Baihaqi
[2] Saheeh Al-Bukhari, Ibn Majah
[3] Saheeh Al-Bukhari
[4] Saheeh Muslim
[5] hadith registrado em Saheeh Muslim
[6] hadith registrado em Saheeh Muslim
[7] Annemarie Schimmel, Islam An Introduction (Albany, NY: State University of New York Press, 1992), 67
[8] Darimi
[9] Ameer Ali, The Spirit of Islam: A History of the Evolution and Ideals of Islam with a Life of the Prophet Revised ed., (Londres: Christophers, 1922), p. 264
[10] Ehud R. Toledano, Slavery and Abolition in the Ottoman Middle East (Seattle: University of Washington Press, 1998), p. 6
[11] Annemarie Schimmel, Islam An Introduction (Albany, NY: State University of New York Press, 1992), 67
[12] Ehud R. Toledano, Slavery and Abolition in the Ottoman Middle East (Seattle: University of Washington Press, 1998), p. 161-162
[13] Princesa Reem Al Faisal, Slavery in US and Other Places: The Vital Difference, publicado por www.arabview.com
[14] Princesa Reem Al Faisal, Slavery in US and Other Places: The Vital Difference, publicado por www.arabview.com
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