Perdão versus retaliação (parte 1 de 2): Perdoar ou não perdoar, eis a questão
Descrição: Uma breve explicação da lei conhecida como Qisas e sua conexão com o perdão.
- Por Aisha Stacey (© 2017 IslamReligion.com)
- Publicado em 30 Jan 2017
- Última modificação em 10 Jan 2022
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O Islã é uma religião que leva em conta a natureza da humanidade. Afinal, Aquele que nos criou nos conhece bem. Não fomos criados perfeitos e cometemos erros, esquecemos, pecamos, somos presas de nossas emoções e hormônios e nosso senso de justiça pode não ser tão finamente ajustado quanto possamos desejar ou pensar. Assim, as doutrinas do Islã, as duas fontes principais de jurisprudência, o Alcorão e a Sunnah (às vezes chamada de tradições autênticas do profeta Muhammad), estabelecem as diretrizes sob as quais a lei é aplicada. Ao contrário de sociedades seculares modernas, não há separação entre religião e estado. Para a sociedade islâmica funcionar, as leis de Deus devem ser aplicadas.
O Islã repete o princípio do olho por olho do Torá ou Velho Testamento e usa a pena capital e punições corporais para muitos crimes. Entretanto, o que é ignorado com frequência é que o Alcorão e as tradições do profeta Muhammad convidam ao perdão, ao invés de retaliação. O Islã e seus princípios legais apoiam o perdão e arranjos pacíficos entre todas as partes. A segunda das três categorias de crimes na lei islâmica é Qisas. Islamicamente qisas significa a lei de retaliação, mas é derivada da raiz qess, que significa rastrear o efeito ou traço de algo e também pode ser definido como rastrear as pegadas de um inimigo.
"Quando castigardes, fazei-o do mesmo modo como fostes castigados; porém, se fordes pacientes será preferível para os que forem pacientes." (Alcorão 16:126)
"Temos-lhes prescrito: vida por vida, olho por olho, nariz por nariz, orelha por orelha, dente por dente e as retaliações tais e quais; mas quem indultar um culpado, isto lhe servirá de expiação. Aqueles que não julgarem conforme o que Deus tem revelado serão iníquos." (Alcorão 5:45)
Qisas é especificamente para assassinato ou ataques graves. Toda vez que uma pessoa causa ferimentos ou morte a outro, o ferido ou a família do morto tem o direito de retaliar. Em crimes cobertos pelas leis de Qisas, a vítima ou a família da vítima tem três opções: insistir na punição, aceitar compensação monetária ou perdoar o criminoso. O perdão pode até evitar a pena de morte.[1]O Alcorão encoraja o perdão e a misericórdia, mesmo nas circunstâncias mais difíceis.
"Tendes, no talião, a segurança da vida, ó sensatos, para que vos refreeis." (Alcorão 2:179)
Como mencionado acima, a lei da retaliação ou qisas se refere a um conjunto particular de crimes que podem ser legalmente punidos da mesma forma e no mesmo nível. No caso de ataque grave, por exemplo, a vítima tem o direito de escolher um olho por um olho, uma orelha por uma orelha, uma perna por uma perna. A qisas também permite que a vítima ou seu representante escolha um resultado diferente. Pode aceitar compensação, também conhecida como dinheiro de sangue ou, em árabe, diya. O pagamento da diya é calculado com base em uma escala proporcional do nível de incapacidade ou ferimento causado. Por outro lado, a vítima ou seu representante podem também optar por perdoar e, apesar da legalidade de todas as três escolhas, o Alcorão deixa claro que a melhor opção é o perdão. No Islã a reconciliação é sempre preferível à retaliação.
"...quanto àquele que indultar (possíveis ofensas dos inimigos) e se emendar, saiba que a sua recompensa pertencerá a Deus..." (Alcorão 42: 40)
Um psicólogo renomado disse uma vez que sem o perdão a vida é governada por um ciclo interminável de ressentimento e retaliação. Independente de qual dos três resultados a vítima escolhe, o objetivo é colocar um fim ao ciclo de retribuição e retaliação e não deixar as repercussões do crime persistirem e prejudicarem a comunidade islâmica. Em outras palavras, a qisas limita as consequências. A necessidade da vítima por justiça é satisfeita, ao mesmo tempo em que previne dano desnecessário ao perpetrador.
A combinação de diya com perdão produz um incentivo material e espiritual poderoso para abrir mão da retribuição. Quando a vítima tem o direito de escolher, em muitos casos escolhe perdoar porque a recompensa de Deus é mais desejável do que qualquer benefício terreno ou do que a satisfação passageira de ver a imposição da punição terrena.
O profeta Muhammad escolheu o perdão de maneira consistente, ao invés da retaliação. Seu comportamento é o melhor exemplo de perdão e compaixão. Os crimes contra ele eram geralmente vis e humilhantes e, ainda assim, ele adotava as palavras de Deus literalmente e escolhia a gentileza sobre a raiva. Tinha o poder e os meios para retaliar e, ainda assim, quanto maior o crime contra ele, mais leniente ele se tornava.
"Conserva-te indulgente, encomenda o bem e foge dos insipientes." (Alcorão 7:199)
Nesse artigo examinamos a lei de qisas e descobrimos que o perdão é o melhor curso de ação. Entretanto, Deus conhece a necessidade humana por justiça nesse mundo e, assim, nos proveu com um método de retaliação que é justo. Mas em todo o Alcorão e nas tradições do profeta Muhammad nos é dito que o perdão é melhor e no próximo artigo descobriremos por que. Você não deseja ser perdoado por Deus?
"...porém, que os tolerem e os perdoem. Não vos agradaria, por acaso, que Deus vos perdoasse? Ele é Indulgente, Misericordiosíssimo." (Alcorão 24:22)
"Ao contrário, quem perseverar e perdoar, saberá que isso é um fator determinante em todos os assuntos." (Alcorão 42:43)
Notas de rodapé:
[1] Punishment in Islam: An Eye For An Eye?" Al-Haramain Online Newsletter, Volume 4, 8ª edição, Julho de 2000.
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